07.03.2024 Interessa-me particularmente tornar exótico o banal

I
No documentário A Sociologia é um Desporto de Combate, Pierre Bourdieu diz-nos que (a propósito de umas experiências etnográficas de início de carreira que não interessam para o caso) desejava “tornar exótico o banal”. O exotismo da banalidade, ou o nosso fascínio (quase colectivo) pelo quotidiano mais corriqueiro é novidade do século passado - e portanto já nada de especialmente exótico na teoria - mas a Maria João Esteves Cardoso, com as ferramentas digitais do momento, conseguiu actualizá-lo para nosso deleite.
Cara MJEC, quero agradecer-te por me teres permitido o pequeno prazer matinal de, para além de (como sempre) ler o MEC, finalmente poder também vê-lo – e em que preparos! A propósito do vosso A História da Música na Antena 1, acordei há dias com um pequeno vídeo no instagram, onde o nosso herói, demoradamente, recuperava do susto de entornar um frasco de tinta-da-china por cima daquilo que poderia ser a crónica que eu tinha acabado de ler.


II
Para quem estuda a partir de uma perspectiva visual, o Youtube é um contraponto necessário aos intermináveis dias de leitura em fundo branco sem uma única figurinha. Lá, podemos acompanhar as embirrações espirituosas da secretária com o Bourdieu; os longos monólogos do Steiner em pullover vermelho; o Derrida com o seu sobretudo branco - mais branco que o próprio cabelo - a,  destemidamente, atravessar a rua fora do passadeira; até à coça que o Agostinho deu ao nosso Miguel, versão ainda sem polo cor-de-rosa. Mas a instantaneidade do instagram, cara MJEC, é outra delícia! Continua, queremos mais.


III
Bourdieu falava-nos então de um tempo de deslumbramento generalizado de sociólogos, antropólogos e demais pensadores, por realidades distantes. Mas apresentava-nos, em alternativa, que o que estava próximo também podia ter o seu encantamento. Ora, é precisamente isto que diariamente MEC nos oferece nos seus ensaios (deixem-me lá chamar-lhes assim): ensinamentos do exotismo da banalidade em doses diárias de cerca de 500 palavras – que ao que consta de um conselho que me deram, não é mais do que a devida obrigação (ou o treino) de um académico em potência.
O que se fez desde Warhol a Venturi, desde McLuhan a Álvaro Domingues, não foi a evidência do ordinário, mas a sua ascensão ao panteão da extravagância. Em tempos de preguiça gastronómica, comer um choco (pequenino frito) e lulas numa mesma refeição é mesmo o novo-exotismo. Sílvia, já não vamos ao Tubarão há muito tempo!


IV
Se Venturi nos ensinou que a main road is almost all right, MEC ensina-nos, diariamente, que o quotidiano também está metade bem. Falta cumprir-se a outra metade. Domingo (dia de eleições - caso se leia este texteco fora de época) tratamos disso: basta encontrar um partido que também o ache. Felizmente, ou talvez não, faço parte dos “gratuitos, corruptos e manobráveis” decisos que já encontrou com quem se entreter a assinar contratos com o futuro.


V
E pronto, estamos a chegar às ambicionadas 500 palavras. O outro dizia que Viver todos os dias cansa. Ainda que canse menos, escrever também nos dá algum trabalho. Já fazê-lo Publicamente é um exótico desporto de combate, no qual já me inscrevi, e perdi. Talvez, em vez do endeusamento ensaístico, seja preciso começar por tornar a escrita banal! É o que se tenta.
Mas depois há o MEC, e volta-se ao início!

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