13.06.2024 Interessa-me particularmente a clareza




I
Continuamos com a Ville Radieuse?
Estava ainda na cama quando hoje vi a imagem do plano de intenções para os antigos terrenos do Bairro do Aleixo, no Porto. Talvez tenha sido o sono a condicionar-me tão elementar observação. Estava pouca claridade lá no sítio onde temos a cama.
É claro que mais ou menos uma centena de anos depois da Carta de Atenas já não achamos que salpicar torres habitacionais sobre um tapete verde ainda é a última bolacha (como se diz nos reality-shows, ou pelo menos no último que vi – ando a perder o meu lado pop)! Não, isso fez o Manuel Teles no primeiro Aleixo nos anos 70, demolido 50 anos depois.
É claro que este simpático conjunto de imagens são apenas possibilidades postas à discussão da comunidade. Os cinco caixotes de 21 pisos, mais os volumezecos baixotes para rematar a envolvente e coser a malha (como quem diz, esconder a visual parafernália popular dos quintais vizinhos) estão lá só para que proto-académicos e outros polemistas desenferrujem a dactilografia.
É claro, apenas, um mero plano de intenções.

II
Digo que seja, porque é claro que quem o desenhou conhece todo o processo de revisão do modernismo depois do pós-guerra (ainda estou a falar da segunda). Não me vou pôr aqui a elencar uma historiografia da urbanística, pois é claro que não vale a pena relembrar os altos e baixos da nossa paixão pelo automóvel e pelos shopping-centers. Não vale a pena recordar que as propostas mais intragáveis de um princípio de urbanismo novo de Maurice Culot e dos irmãos Krier – que estavam a redesenhar a Jane Jacobs – nos trouxeram a best-sellers como a “Cidade para Pessoas” de Gelh ou o distintíssimo “Direito de Cidade” (aka Cidade de 15 minutos) de Carlos Moreno. Não, não vale a pena evocar a cultura de congestão, alvitrar o fim do urbanismo e trocá-lo pelo desenho urbano, defender o caos e a complexidade, fazendo de conta que Koolhaas não pousou o monólito ali a 15 min (de carro), caracterizar a cidade como texto, subtexto, hipertexto e discurso, e o urbano, no tempo das internets, como tudo.
Não vale a pena evocar os aborrecidos chavões do costume, que até vou pôr inglês para desenjoar: density, complexity, mixity, community, heterogeneity e proximity.
Não, não vale a pena. Porque é claro, que naquele esquiço volumétrico sobre manta vegetal, isto está lá tudo!

III
Não, não está. Ali está apenas um estudo de habitação monofuncional de baixa densidade (e alta-altura), ruas-canal à lá Corbu para automóveis num território de verdes rectângulos desvitalizados, onde se demora 15min a chegar à rua principal para apanhar um autocarro assoberbado, ou 2min para aceder à garagem e rumar ao parque-de-estacionamento climatizado mais próximo. E as bicicletas?

IV
Mas valha-nos que é um plano de intenções!
E percebesse eu de interiores habitacionais e falar-vos-ia que as cinco torres teriam hall´s de distribuição à entrada da casa e no corredor para os quartos; dir-vos-ia que a cozinha, avantajada, não daria para a sala, mas que a família-tipo de quatro mais um animal de pequeno porte, jantariam ao pé do fogão; conversaríamos sobre bidés, piso-radiante e até sobre aquelas janelas hiper-herméticas onde depois abrem um buraquinhos para passar o ar.
Ui, e ainda bem que de construção não percebo. Aí tinha, literalmente, muita lenha para me queimar (há uns anos saberia fazer uma divertida analogia entre o ditado popular e o material de construção das últimas modas de Paris. Mas hoje fico-me pelo desencanto dactilográfico – gostei da palavra, repeti).

V
A procura de clareza continua a orientar planos de intenções e outros desenhos.  Na cidade “complexa, imperfeita, incompleta e frágil”, é o bom ar, as boas vistas, os passeios verdejantes e os parques-de-estacionamento enterrados que continuam no top das precauções.
Caros urbani(s)tas e demais participantes do eventual concurso que daqui sair, façam-me lá o jeito e repitam isto como uma oração ao acordar: density, complexity, mixity, community, heterogeneity, proximity. Repete!

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