04.04.2020 Interessa-me particularmente alguma utopia
04.04.2020 Interessa-me particularmente
alguma utopia. Vivemos em temos mais favoráveis à melancolia do que à utopia. Se
a melancolia é especialmente importante para o processo criativo, não é menor o
prestígio da utopia para o processo de cura. O sec. XX encarregou-se de nos
mostrar a repugnância – nova palavra de ordem – das concretizações dos
processos de esperança.
O mercado está para ficar:
repelimos a utopia ao ponto de repetirmos, constantemente, a evidencia da
possibilidade do fim do mundo e não equacionarmos o fim do capitalismo. Mesmo
quando a peste nos mostra tão bem as debilidades do demiurgo, a nossa fé
move-nos em direcção ao regresso do mês passado, recalcando a sabedoria que a
última crise nos ensinou.
Não é por isso difícil
concordar que a ficção, quando desejável, só poderá ser contemplada numa
perspectiva interna - no célebre de dentro para fora – uma utopia que
aproveita, tal como a peste, o caminho da globalização.
Trabalho há seis anos com
centenas de marcas portuguesas: trabalhadores independentes, a recibos verdes,
micro-empresas individuais com um ou dois colaboradores; uma verdadeira rede de
subcontratação desde a tão disputada costureira, ao mais criterioso dos
webmasters.
Não será necessário referir
que estamos todos parados.
É impossível velar com o
burlesco trabalho de comunicação a nossa insegurança. Cada artigo, imagem,
história, cada tentativa de business as usual é uma evidencia da nossa
desorientação.
Por estes dias, entre outras,
assinei duas petições: a do lay-off para sócios gerentes e a do rendimento
básico incondicional (de emergência) orientada pelo partido livre.
A conclusão evidenciava-se à
partida: a primeira conta com 37000 assinaturas e a segunda 4500.
Se a do lay-off oferece a
vantagem de nos dar alguma segurança na emergência, fundamental para repensar
estratégias, fá-lo no tradicional sistema piramidal: bancos, empresas, famílias
– dispensável repetir (foi recente) aonde isto nos leva.
A do RBI pela sua
transversalidade, coloca o individuo no centro e fala-nos de alguma justiça
social, algum equilíbrio, alguma igualdade, algum combate à pobreza, algumas
soluções para o imediato – para além de uma genial simplificação burocrática.
Gostamos de nos afirmar “de
nicho”: aquilo que era de uma enorme utilidade idiossincrática no mês passado,
apenas reforça agora a nossa, aparente, irrelevância.
Interessa-me particularmente
alguma utopia. Interessam-me particularmente cenários não revolucionários,
construídos nas potencialidades e nas possibilidades.
Neste cenário utópico, não me
parece despropositado algum lobismo de nicho, o mesmo nicho que, orgulhosamente
vestíamos no mês passado.
E se a pergunta for
simplesmente: e de onde vem o dinheiro? podemos sempre descansar nos
pensamentos centenários de Keynes - e desta vez, as circunstâncias não mudaram.

Comentários
Postar um comentário