05.04.2020 Interessa-me particularmente a incompreensão
05.04.2020 Interessa-me particularmente a incompreensão. Terá Baudelaire escrito, entre outras, uma genial constatação de uma parte das almas humanas, que numa adaptação pessoal será qualquer coisa como: há uma certa glória em ser-se incompreendido. Digo que terá escrito, porque não me lembro, no meio do pintor da vida moderna e na minha heróica tentativa das flores do mal em francês, de o ter lido – o que, em cópia do mestre do ensaio, diz mais da minha falta de memória do que da pertinência das minhas escolhas literárias. A minha transcrição não é, contudo, fiel à suposta verosimilhança da repetição digital. Onde o original faz a apologia da negação da compreensão, eu prefiro afirmar a mais perfeita incompreensão.
Pelo meio fica a glória complexa da incompreensão e a glória simples de quem se pode considerar alinhado com a virtude.
Mas não estamos em tempos de exposição inequívoca da virtude. Não há caminhos únicos.
Sem abusar de demasiada teologia, é fácil encontrar em Tolentino a inflexão no percurso que troca a resposta pela pergunta. Há maior utilidade na proposta de se fazer cada vez melhores perguntas do que ilustrar respostas.
Ser-se incompreendido traz também a vantagem da auto-ilusão: “Até podia ter resultado. Se tivéssemos tentando. Mas ninguém acreditou. Talvez tivéssemos razão. Talvez fosse a solução.”
É na dúvida, na pergunta e na incompreensão que o caminho terá de ser percorrido.
Numa destas noites de isolamento pela peste, Srecko Horvat nas suas gloriosas entrevistas possíveis pelas dádivas da globalização, perguntava a Richard Sennett qualquer coisa como: o que é hoje ser-se de esquerda, ou ainda melhor, o que é hoje comum às esquerdas. Sennett arriscou como sugestão, uma certa ideia de metodologia para um constante questionamento, algo que me fez regressar aos (desconfortáveis) bancos da faculdade de arquitectura, onde ninguém de fora percebia que nós não pintávamos de branco, apenas seguíamos um método.
Há alguma glória em indicar Keynes e ser incompreendido – tantos são os caminhos possíveis.
A glória em Keynes é maior nas "possibilidades económicas para os nossos netos".
A nossa glória será maior enquanto formos alimentando a nossa utopia, ou quando a errarmos?

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