09.04.2020 Interessa-me particularmente alguma utopia III
09.04.2020 Interessa-me particularmente alguma utopia III
Tenho aproveitado este tempo de confinamento para pensar o rendimento
básico incondicional, que carinhosamente considero, a minha utopia, mas não
tenho sido o único.
Ontem o Diário de Notícias trouxe-nos um importante artigo, cuja virtude
maior foi a passagem de um tema de difusão meramente panfletária para as
páginas (gratuitas) de um jornal-online nacional.
O RBI tem sido regularmente conversado pelos bastidores progressistas do
Público, mas em circuito fechado de uma pequena minoria que considera de
particular pertinência pagar para ler – todos aqueles que temos essa
possibilidade deveríamos entender a assinatura de jornalismo como um dever
cívico e um privilégio.
Umbilicalmente tem a vantagem para mim, de finalmente passar de emissor a
receptor desta tipologia de propaganda.
Ainda que o título pareça querer sugeri-lo, não há no texto uma única
referência a uma ilusória possibilidade que tal possa servir a nossa paróquia.
O artigo apenas analisa sumariamente a introdução de um método como RBI numa
perspectiva da possibilidade de que: fique tudo na mesma.
Ora, é esse o pressuposto errado para se iniciar qualquer discussão.
O RBI não pode ser entendido como um plugin que se anexa ao
estado-das-coisas de forma a fazer pequenas correcções cirúrgicas nas
desigualdades (mas se a apenas isso servir, já lhe chamo de pequena vitória
como tenho tentado alertar).
O mérito do artigo do DN foi ter tido a capacidade de sugerir a evidência
que o nosso estadio capitalista não permite alocar verbas para o RBI e que como
tal, este teria de se permitir a mudanças.
A primeira questão é simples. Queremos alguma mudança?
Como o DN nos mostra, a resposta está dada. Há uma alguma satisfação
generalizada com este capitalismo, que peca por alguma desigualdade - mas com
pequeníssimas acções de caridade-dita-solidariedade correctiva, a coisa ia lá -
um certo conservadorismo-apressado, ou um progresso-arrastado de que falava
ontem. Este nosso conservadorismo está superiormente interessado na manutenção
do seu recente estado de evolução meritocrático e aceita a pobreza enquanto
tradição.
Se a ocupação dos progressistas não tem sido particularmente eficaz na
demonstração factual do que está mal – tardamos a descolar do tal de, marxismo
cultural - então mais vale tentar ir por outro caminho. Se não conseguimos
mostrar que a coisa-vai-mal, mostremos antes que podia-ir-melhor.
Parece-me que o desafio é outro (um antigo desafio perdido na viragem do
século): desenhar modelos, cenários, ambientes que ilustrem a perspectiva
utópica num patamar de desejo.
O utopista enquanto criador de desejo.
Hoje uma amiga nossa envia-nos uma imagem de um cartaz nas janelas de
Paris: “Nous ne reviendrons pas à la normalité, car le probleme cétait la
normalité”. Por cá, ensinamos às crianças que vai voltar a ficar tudo bem,
continuando autisticamente a fazer-de-contas que a década passada se resolveu
com um pote de moedas no fim do arco-iris.
Continuará....

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