13.04.2020 Interessa-me particularmente o ensaio e o diálogo I
13.04.2020
Interessa-me particularmente o ensaio e o diálogo. Também me interessa particularmente a definição do Fernando Pessoa das ficções sociais. O Banqueiro
Anarquista foi a par do mito de Sísifo do Camus as minhas grandes referências,
sabias? Não posso claro, como já te disse, excluir aquela leitura das
meditações do Marco Aurélio. Como é que eu dizia na altura? Chamava-lhe só
charneira. Fui reler-me. Não era nada de especial afinal; quer dizer: temos
aquela relação entre a, eventual, penumbra da tenda de campanha e a cave da
loja onde li aquilo. Faz sentido, não faz? Os sítios onde lemos as coisas? Os
sítios onde escrevemos as coisas?
Depois há o
Montaigne, mas isso…
O Montaigne
estava a escrever para quem? O sítio era a torre – a minha torre, o meu apartamento
a-espacial! Já te falei dele há dias, não?
Para quem
escrevia ele os seus escritos, “grotescos corpos monstruosos, compostos de
diversos fragmentos, sem configuração determinada, nem ordem, sequência ou
proporção, a não ser as fortuitas?”
Do Montaigne
há aquela questão fabulosa da região intermédia – mas ele era modesto, ou
realista, ou conformado, não sei. Era discreto também, recuso-me a isso,
doravante!
Faz sentido,
não faz? O sítio onde escrevemos as coisas?
“Estes ensaios
só poderiam sobreviver na região intermédia, não agradam aos espíritos comuns e
vulgares, nem tão pouco aos singulares e excelentes”
Mas também faz
sentido o sentido, acho eu.
O Montaigne
reconhecia que só seria lido pelos que povoam a região intermédia. Não os
vulgares, nem os singulares – mas eu gostava de ser lido pelos singulares.
Pelos excelentes.
Quer dizer, eu
gostava era de ser singular e excelente.
Assim já seria
lido por eles, não? Na realidade, eu queria mesmo é que fossemos todos
singulares e excelentes. Que fossemos todos iguais.
Não isso não! Isso foi uma confusão
das últimas coisas que escrevi. O Anarquismo. Não.
Do Anarquismo interessa-me a história das ficções sociais do Pessoa.
Interessa-me muito o Max Stirner e o Anarquismo Individualista. O Max Stirner é
interessante – de quem era aquela história do tipo que era tão anarquista
individual que não admitia ouvir uma orquestra, apenas solistas? - se bem que
tem, tal como o Proudhon a questão da propriedade privada. E eu que gosto tanto
da minha casa – afinal escrevo aqui, porque é minha, porque é nossa.
O
meu amigo e segundo leitor, que deu nome a este “ensaio” diz-me para ler o
Kropotkin. Está lá tudo, está mesmo. Está tudo do anarquismo, mas estão tantas
respostas para a minha utopia pessoal. Aquela coisa do plugin ao Capitalismo. O
rendimento básico incondicional. Mas o Anarquismo não, não sou. Não sou adepto
de nada que promova a igualdade. A diferença é que me interessa.
Interessa-me
particularmente a diferença.
Já
te disse porque é que inicio o sempre assim? Não? Vai ler, já escrevi sobre
isso.
É
fabuloso quando te perguntam qualquer coisa e tu podes dizer: “ah, sim, eu há
um ano até escrevi sobre isso”.
Mas
o Montaigne, pois.
Então,
há uns tempos achei que devia ser ensaísta, que era a coisa certa a fazer e
pronto, fui ler o Montaigne. Depois houve ali uma conferência da Filomena
Molder. Absolutamente Fabulosa. Aliás, aprendi com ela esta coisa do
“absolutamente fabuloso”. Até pensei em trocar o “Interessa-me particularmente…”
por “considero absolutamente fabuloso…” - mas tinha a necessidade
daquele prefixo: considero, acho, julgo, creio – creio não era mau, tinha a ver
com fé.
Posso
deixar Kropotkin para depois? Achas que o tipo que mo apresentou não se
importa? É que disse que lhe falava disso. Fica para depois então. Falamos hoje
do Montaigne e do ensaio, que anda aqui entalado. Quer dizer, na realidade anda
entalado o Adorno, porque há ali uma ideia no “ensaio como forma” que este não
precisa do princípio, que pode começar no meio e não convergir para um fim. É
genial isto do ensaio, não é? É livre, e simultaneamente autobiográfico – como
dizia ontem o Saramago, tudo é autobiografia. E como dizia o Adorno: é fruto do
“entusiasmo com o já criado”. A liberdade, novamente, um “impulso expressivo”.
Já
viste, que bom poder discorrer, sem cerimónias, sem necessidades de conclusões,
podendo ter a possibilidade de liquidar o ponto de partida, entusiasmado com os
mestres?
E
poder copiar tudo – como na arquitectura – de todo o lado e assumir as
referências sem vergonha?
“O
ensaio recua, assustado, diante da violência do dogma” - pode-se ser
naif, naquela região intermédia do Montaigne. Livre da “servidão académica”.
Mas
interessa-me particularmente o “metodicamente sem método”, a coisa da
liberdade. E na liberdade podemos regressar ao Anarquismo. Não, não sou, mas
não me importo propriamente de andar com essa bandeira, se tiver de ser, por
causa das ficções sociais do Pessoa. Mas também não me desagrada o capitalismo
enquanto ficção social. O Chomsky! Já sei, anda há tanto tempo a dizer que vem
tudo do investimento público, que somos nós. Mas nós, os mesmo, também
inventamos muita coisa aqui no capitalismo. E depois temos aquela coisa das
desigualdades e das diferenças tão úteis à arte. O Kropotkin não percebia nada
de arte. As respostas dele aí são assustadoras.
E
então, voltando à questão do ensaio - e deixando o Kropotkin para depois - é a coisa
da liberdade que faz mesmo sentido. E depois há o diálogo. É um caminho não é?
Ou é o caminho, é!
E
a autobiografia.
Para
lá de arrumar os livros que me estás a desconcentrar. Vou-te ajudar. No fim de
contas, ensaio, diálogo, não fazem sentido nenhum se não estiveres aí, a
desconcentrar-me e a não me deixares escrever.

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