01.05.2020 Interessa-me particularmente alguma utopia e pouco trabalho II


I
Não me interessei especialmente pelo meu texto de ontem, mas há uma regra silenciosa que não nos permite editar depois de publicado. Recomeço: Tem-me interessado particularmente, durante os últimos anos, elaborar cada vez melhor uma pergunta, que hoje está mais ou menos assim: É possível reformar o capitalismo para um patamar mais democrático, de forma progressiva, mas não revolucionária, mantendo todas as ficções de desejo ao mesmo tempo que elimina as relações de escala?”, uma utopia-real como diz o Varoufakis? Esta não é a pergunta do Varoufakis, é a minha. Arrogantemente assumo: tenho razões para fazer esta pergunta:
II
Há seis anos que ando a co-ensaiar um sistema de associação voluntária e informal de criativos. A scar-id, a que não chamo “loja” por aversão conceptual - de forma a poder subtrair ao projecto o seu inevitável pendor económico - é a minha utopia-real. A quem possa escapar: Design Português de Autor. E Brasileiro. E Espanhol. Design de Autor, sem nacionalidade. Design Global. Coisas que se compram mais em tempos de paz do que em tempos de guerra, em tempos de peste. Coisas que em guerra se podem comprar online, mas que por algum motivo humano se compram melhor ao toque, à conversa, à experiência sensorial. Por algum motivo humano. Comprar - repeti algumas vezes. Consumir. Inevitavelmente, como na minha pergunta?
III
Uma associação voluntária de trabalhadores independentes sem hierarquia, sem dependência, sem programa, regras ou documentos assinados. Hoje que não me está a interessar particularmente citar os mestres, deixo para o Rui Resende a devida relação anárquica disto que faço com o Kropotkin e os demais libertários que tu há anos insistes que têm mais a ver comigo do que o que sou capaz de reconhecer.
Uma utopia-real ou só uma loja? Para muitos é apenas um pronto-a-vestir, para outros uma concept-store, para o demais uma plataforma. Para mim é uma utopia-real. Um ensaio de um sistema-ético, capaz de ser construído dentro do capitalismo, operando com algumas das suas regras enquanto simultaneamente o combate.
IV
Hoje, enquanto procurava a minha oração-matinal (mas o MEC só falava do tempo das cerejas e o António Guerreiro só publicou às 10:17) tive o prazer de mais uma vez, sentir o meu trabalho reconhecido pela referência dos “meus” trabalhadores independentes através da nossa arma possível em tempos de peste: as redes sociais.
É tão bom poder descobrir, antes de todos, as criações da WEK, que foi, sem - qualquer problema de parcialidade (benefícios da tal independência) - a pessoa mais criativa com que me cruzei nos últimos anos.
É tão bom partilhar o espaço conceptual e o espaço de cidade com projectos como o Temporada, que diariamente lutam pelas suas próprias utopias-reais, que arrisco, não estão muito longe da minha.
V
Interessa-me particularmente alguma utopia e pouco trabalho. “Todo trabalho desta sorte deveria ser feito por máquinas. E não tenho dúvidas de que o será.”: a utopia de Oscar Wilde está mais próxima. “Um homem não deveria estar pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, e deveria ou roubar ou viver às expensas do Estado, o que muitos consideram uma forma de roubo”: talvez não seja necessário, Wilde.
Desde a “Alma do Homem Sob o Socialismo” de 1891 criámos um utopia-nova, o Rendimento Básico Incondicional. E até já sabemos - como Keynes já sabia em 1933 - como financiá-la. “Actualmente, as máquinas competem com o homem. Em condições adequadas, servirão ao homem.”. A máquina, o mundo-virtual, tal como o dinheiro é neutro. Cabe-nos, humanos, decidir se o usamos para dominar ou mundo, para escrita panfletária ou para aquela coisa complexa da eudaimonia, ensaiada pelos gregos que teimamos em não procurar pelos caminhos certos.
VI
Interessa-me particularmente o dia do trabalhador. A minha utopia-real devidamente acompanhada pelo Rendimento Básico Incondicional é afinal, ao contrário dos meus prognósticos iniciais, revolucionária. Só o Rendimento Básico Incondicional tem a capacidade de re-contextualizar o Dia do Trabalhador da sua carga de opressão, desigualdade e injustiça e transformá-lo em….. utopia.
VII
É preciso definir datas para “degustar o tempo” de modo circular, de  efeméride a efeméride, e não de forma linear, em direcção ao “parque de estacionamento à espera da morte”. Nesse processo de definição, eu e a Sílvia escolhemos o Dia do Trabalhador como o início do nosso último início. 13 anos desta coisa que preferimos não definir. Apesar da peste, não consigo imaginar um sítio melhor para passarmos este dia do que a nossa casa.

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