19.05.2020 Interessa-me particularmente a peste V
I
Interessa-me
particularmente a peste, obsessão, paranoia, absurdo, paranoia, medo,
incongruência, paranoia, ridículo, contraditório, insensato, absurdo, absurdo.
80% das pessoas na cidade – Boavista, Cedofeita – usam máscara, caminham de
máscara, enfileiram-se de máscara. Mascaram-se em casa? Ontem não consegui
clareza. Demasiadas máscaras, demasiada paranoia. Demasiado hábito. Demasiadas
filas de mascarados. O que faz com que um individuo precise de se enfileirar
mascarado à porta da Nespresso? Filas e máscaras. Filas e máscaras. Distopia. A
carneirada. - Vou, hoje, aonde os outros estão. Vou de máscara.
II
O Rui Resende escreveu
ontem um texto que falava da Universidade. Leiam-no. Partilhei com ele os
chouriços da Ribeira e a “a comida insípida da D. Fátima”. Hoje partilhamos
“chouriços virtuais” e não é mau. Há muito que partilho chouriços
virtuais (todos adoraram esta tua ideia) com demasiada gente. Na outra peste, na
peste financeira, desapareceram todos, espalhando-se por aí, pelo mundo nem
sempre ocidental, onde calhava, por paixão à arquitectura ou por
paixão-simples.
III
“A
Universidade vai passar a ser um serviço de streaming”, cito-te, obrigo-te
a re-escrever. Fala disto. Vamos falar disto. Vamos todos falar disto. Da
Universidade, dos filtros. Precisam de causas? Está aqui a nossa. Por uma Universidade táctil. Por uma Universidade do toque. O Youtube é fabuloso, tenho
aprendido muito. Falta o toque. Por uma Universidade material. Sem câmaras –
arrisco – sem computadores. Por uma Universidade do papel e da conversa. Por
uma Universidade de ideias. Hoje não tenho clareza, ontem também não. Não me
podias ter falado da Universidade. Escreve sobre isso, não tenho claridade.
IV
“A cidade tem
uma poeira diferente. A claridade é um indício de que podes ser visto, e isso
não é bom. A claridade tornou-se negativa. A claridade é uma coisa que te bate
com um pau, não é algo que pouse sobre ti. As coisas femininas da cidade
tornaram-se agressivas. As pernas das raparigas perderam importância. Não há
profissões, mas as habilidades aumentaram. Os homens tornaram-se primitivos,
mas cada um é general com uma estratégia. Os dias não são diários. Os dias são
divididos em meses: a manhã e a noite são dois mundos e um pode visitar o outro
violentamente.”
V
Finalmente
chegou-me o Gonçalo M. Tavares. Perdoem-me os outros que tentaram, mas quem
teve razão foi o Hélder Sousa. Era por aqui, pelo Klaus Klump.
VI
Hoje não me
apetece sair de casa. Não quero ver máscaras. Nem filas. Eu não tenho filas.
Não há filas, não há dinheiro. Não há dinheiro, há medo. Há medo, não há
claridade. Hoje não saio de casa. Mas tenho de sair, tenho de ir comprar coisas para o
jantar. Vou sem óculos. Sem óculos, um rosto é para mim tão plano como uma
máscara. A máscara esvazia o ser. Seres vazios im-personalizados. Um ser humano
mascarado é uma não-universidade. Uma universidade mascarada é a peste maior
que a peste (a outra a verdadeira). O que é a peste? A doença ou somos nós?
VII
Vou fazer compras para o
jantar. Durante o confinamento da peste fiz uma encomenda online num grande supermercado.
Senti-me tão mal. Não sabia. Enviei um escravo para o campo de minas. Enviei um
escravo da plataforma digital de entregas. Não sabia. Nunca mais comprei nada
num grande supermercado online. - Protegida no seu castelo, a velha
classe-média ocidental lança escravos a pedido, “vai-me ali, para eu não
apanhar a peste”, “protege-me”. Mas o escravo da velha classe-média
ocidental foi apenas para a guerra do medo. Nunca houve nenhuma guerra-nova.
VIII
A guerra é
sempre a mesma. Toda a história da humanidade – uma única guerra. O meu lado
perdeu sempre. Vale a pena? A acção? Falta-nos causa? A Universidade. Façamos
dela a nossa causa. Perderemos, é certo. A Universidade sempre fomos apenas,
nós.

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