23.05.2020 Interessa-me particularmente algum activismo II

I

Tempos difíceis para um progressista acreditar no progresso. Na era redes sociais, o guarda-chuva do progresso consegue apenas cinco mil e setecentos entusiastas; poucos mais viram até agora a conversa inicial do youtube. Repito, insistentemente, Baudelaire e a sua glória da incompreensão. O Progressive International parece começar a falhar nas primeiras semanas. Recusando-se a usar a arma do adversário, falhará, falharemos todos. Por agora, esperar que nos descubram não é uma opção, há que incitar o contacto, fazer propaganda – essa palavra maldita ontem enfeitiçada por António Guerreiro:

II

“O que se tornou entretanto evidente é que a resposta à reclamação de absoluta segurança (algo impossível de alcançar, mas sempre presente nos tempos actuais) foi para além dos seus fins e agora nem os governos nem todos aqueles que, nos media, substituíram a informação pela propaganda e pelo moralismo sabem como atenuar a overdose de medo inoculado à população.”

III

Tenho um amigo que constantemente me alerta para o meu anarquismo-auto-reprimido. Tenho dúvidas desta amizade: um bom-amigo jamais tiraria um anarquista do armário. Sabendo levar-me pelos maus caminhos, este meu pseudo-amigo apresentou-me a derradeira evidência. Eu gosto das palavras, respeito-as e às suas cargas associadas. Há conceitos que não podem/devem ser tão elásticos. Ao fim de seis anos de luta-interior, consigo chegar à fórmula: o anarquismo enquanto método; o anarquismo como um plugin. Tentei a des-hifenizar o anarquismo, sem frutos. O anarquismo sempre foi um prefixo e eu apenas procurava a sua atomização. Falhei na procura, ganhei na aceitação. “Prefixo é o afixo que se acrescenta antes do radical”. Procuremos agora o radical.

IV

Mais um filme francês de baixíssima qualidade. Vejo-os a todos. Double Vies de Olivier Assayas. O Clouds of Sils Maria não era mau, mas chega-se lá pelo Nietzsche e não se vê nada do que se procura. No Double Vies , um editor e um escritor, as mulheres e as traições, o clássico do cinema parisiense. Discute-se o livro, o e-book, o áudio-book e as mandalas para os adultos colorirem em desavergonhado passa-tempo terapêutico.  Lembro-me de novo de António Guerreiro:

V

Quando, de repente, e não pelas razões mais felizes, o tempo se torna disponível para um número significativo de pessoas, apercebemo-nos de que ele se tornou uma coisa estranha ou mesmo uma espécie de doença, cujo primeiro sintoma é o tédio, que é preciso curar.” “Saber “perder tempo”, esse saber que a figura do dandy tinha no mais elevado grau, é uma sabedoria que se perdeu.” Imagino-me editor, no dia em que deixo cair os ombros pela última vez e assino o documento que autoriza a impressão em massa de mandalas para colorir. Tarefa difícil do editor: já não quero editar. Vou escrevendo em alternativa. Escrever é uma alternativa, o prefixo. Procuremos agora o radical.

VI

Ando às voltas com um formulário para a acção. Passaram-se duas semanas, creio. O impulso é, por vezes, melhor conselheiro que a ponderação. Por vezes. Pelo menos para a acção devia ser. O activismo enquanto método de ponderação? O que é um activista ponderado? Apetece-me escrever propaganda, não submeter-me a propaganda. Mas há o prefixo. Posso transformar o prefixo em sufixo, em anexo. Entrego o formulário com um anexo: sim, quero fazer parte, mas…

VII

Apaixonei-me pelo Franco Berardi. Passo horas no Youtube. Há tipos que ler não chega, é preciso tocar, nem que seja pelo ecrã – o possível em tempos de peste. Apaixonei-me pela paixão, pela cólera ponderada. O que é um activista ponderado? É a idade. E eu também já não vou para novo.

 

 


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