26.05.2020 Interessa-me particularmente alguma / a quase invisibilidade

I

Interessa-me particularmente alguma invisibilidade, ou talvez, a pequenez. Definir uma linha, a conversa de ontem, o jantar de ontem. Tudo à volta da linha: define uma linha (de conforto). Onde acaba o ético e a começa aética? Uma proposta de invisibilidade a tocar na linha. E espreitar, por trás da linha. Define uma linha da qual não te sentirás tentado a trespassar. Não é nada disto. Define a invisibilidade. Estou tão longe da linha para me ter de preocupar com ela. Não passarei – nem sequer - e lá não chegarei. A linha.

II

Interessa-me particularmente alguma invisibilidade.  “Invisibilidade consiste na característica de um objecto não ser visível, o que no caso dos seres humanos consistiria no facto da luz visível não ser absorvida nem reflectida pelo objecto em questão.” Não absorver, nem reflectir. A conversa de ontem. Como construir um projecto (em qualquer mister) sem absorver o capitalismo, sem reflectir-se para não ser absorvido – pelo capitalismo. Um projecto para ser, ser-se, cumprir-se (apenas). Um projecto para passar despercebido. Interessa-me particularmente alguma invisibilidade, ou talvez, a pequenez. A arte de permanecer pequeno o suficiente, ainda que, cumprindo-se.

III

(Jó 18:11) “Até aqui virás, contudo, não avançarás; e aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas?”

IV

Uma linha de conforto. Onde começa o orgulho nas minhas ondas?  “Não avançarás” – mas ainda nem estava perto da linha. Definir a linha. A linha: atrás – invisível; à frente – visível demais (pronto a ser sugado, subjugado, abafado, copiado, desmontado. Começar de novo? Criar nova linha?) Proposta: re-definir a linha e re-desenhar um cenário-possível bem longe da linha. Objectivo: Invisibilidade.

V

O medo acabou por aqui. Já se convive em casa e nas esplanadas. Sem máscara. Defines um amigo quando tiras a máscara. O novo cumprimento: aceitar o outro sem máscara. Já não apertas a mão, tiras a máscara; já não beijas e abraças, desmascaras-te.

VI

Não tenho publicado, nem sempre se escreve para publicar, mas sempre se escreve. Ando às voltas com um pequeno texto sobre arquitectura: ainda consigo? Ando às voltas com uma pequena ficção: já consigo? Há que rodar os “tipos de”, doutra forma não se pode escrever: escritor. A arrogância, preciso de repescá-la. Método: arrogância e ignorância, sempre. Difícil manter a arrogância em tempos de espera; difícil manter a ignorância quando (já) se sabe tanto (e se faz contínua a procura).

VII

Alargar os caminhos apenas para o mesmo concluir. Em qualquer mister, a visibilidade é o princípio do desaparecimento. Na arquitectura como na escrita – como no comércio. Cresce e (des)aparece. Há comércio não capitalista? Só eu acredito que sim. Há alguma coisa não capitalista? Nem eu acredito que sim. Agora que finalmente - seis anos após – entendi o anarquismo como método e me preparava para o aplicar: recusá-lo-ei e trocá-lo-ei por um novo método da invisibilidade, programada. Avançar e recuar em dose certa face à linha. Antecipar. Jogar um pré-jogo; antes do jogo. Interessa-me particularmente a quase invisibilidade. Estar, aparecer, desaparecer. A surpresa instantânea. A visibilidade instantânea. A visibilidade efémera. A invisibilidade efémera. O vislumbre: “mostras, sinal, vestígio, suspeita, indício”.

VII

Ainda consigo escrever sobre arquitectura? Já consigo escrever ficção? E o ensaio, eu queria era o ensaio. Não há arrogância para ensaiar; não há ensaio ignorante. Qual o método para o ensaio? (des)aparecer? Vislumbrar? Vislumbrar: “começar a aparecer, a surgir, entrever-se, apontar”. Não, talvez antecipação. Antecipação, é isso. Proposta: antecipar.


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