03.06.2020 Interessa-me particularmente algum activismo IV
I
Porque é que publicámos quadrados pretos nas redes sociais, ainda que todos soubéssemos que, por força do algoritmo, este só era mostrados aos “nossos”, em círculo-vicioso, incapaz de influenciar quem realmente precisava de o ser?
A resposta mais imediata (e que ninguém duvide da honestidade da acção e da motivação) talvez seja um misto de: “é melhor que nada” com “mal não faz”.
Menos imediata, mas talvez mais verdadeira, será a assunção do mimetismo: “se estão todos a fazê-lo, cabe-me também fazer, para não ficar de fora”.
Se a primeira resposta concentra em si uma aparente inutilidade, já esta
segunda é profundamente favorável para o caminho. Se do “nosso” lado da
barricada, formos capazes de nos ir copiando uns aos outros, então estamos a
construir algo que, pelo menos, é melhor-que-nada.
Mas, se ser melhor-que-nada é manifestamente insuficiente, tem a vantagem de
possibilitar a criação de uma base homogénia. No momento certo, necessário,
preciso, o “nosso” lado está unido em rede (social) para dar o passo seguinte.
Fica a faltar este, sempre.
II
A bipolaridade de todo este ensaio - o “nosso” lado, o outro “lado” - é
profundamente indesejada, tal foi assumido na nossa última reflexão.
Varoufakis, dividia recentemente os “progressives” contra os “agressives”.
Podemos chamar o outro de “o agressivo”? Talvez. Chamar-lhe-emos assim
doravante. A simplificação binária, que nem sempre é proveitosa, é, para o caso
concreto do pós-Geroge-Floyd não só a mais justa, como mais útil - nós contra
eles.
III
As redes sociais não são o espaço desejado / ideal para a luta, mas são o
espaço disponível, imediato e simplificado (principalmente quando a peste ainda
nos condiciona).
“Mas porque não? Mal não faz.”
E o que faria melhor? Sensibilizar, educar, informar, demonstrar aos “outros” fora do nosso lado da barricada? Talvez, tarefa difícil, aparentemente impossível. Mas costumas tentar? Naquele jantar de família, junto do conservador da tribo? No café com os amigos, com o céptico do grupo? Na conversa de circunstância da fila do supermercado, com um reaccionário desconhecido? Tentaste? Então saberás que falhaste, sempre. Que, pelo menos aparentemente, não conseguiste o resultado desejado nem uma única vez. Ou conseguiste?
IV
“A pandemia tem sido fértil em citações de Beckett.” Desculpa
Miguel, mas vou ter de ir pelo Beckett: Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar
melhor. “De que serve dizer que Beckett não quis dizer nada disso? Falhar
melhor é falhar pior ainda e continuar quando se quis parar é o pior dos
castigos, a prova que não somos capazes de nada, nem de uma vontade nem de uma
previsão.” Fica o aviso do Miguel Esteves Cardoso, mas podemos
continuar a tentar?
V
Agora que a cólera da injustiça criou efeitos-secundários (previsíveis, mas)
indesejáveis e que o aproveitamento político dos agressivos está legitimado,
abandona-se a luta?
Há uma outra frase-feita, ainda mais batida que a do Beckett: caminhamos nos
ombros de gigantes. “A metáfora dos anões estarem
sobre ombros de gigantes (em latim: nanos gigantum
humeris insidentes) expressa o significado de descobrir a verdade a partir das
descobertas anteriores. Esse conceito tem origem no século XII,
e é atribuído a Bernardo de Chartres. Seu uso mais
conhecido procede de Isaac Newton, que escreveu em 1675: Se eu vi
mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.", Wikipédia? pois
com certeza, democracia-participativa.
VI
Cabe-nos então apenas, “apenas”, continuar nos ombros dos gigantes,
transformarmo-nos nos gigantes dos próximos. O caminho já começou, não vamos
revoluciona-lo, nem ser os agentes da salvação, vamos continuá-lo. Como?
Tentando, apenas fazendo alguma coisa, pouco mais que nada, e quem sabe, por
vezes, fazendo até qualquer coisa de importante como: votar do lado certo,
trabalhar do lado certo, consumir do lado certo, conhecer todos os lados,
participar… há tanto para fazer e parece óbvio (e tão simples) o que há
para fazer: faça-se então da acção da influência um hábito nesta luta
necessária e urgente contra os agressivos.
VII
E como é que sabemos que o nosso lado é o certo?

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