26.06.2020 Interessa-me particularmente os limites II

I

Emanuele Quinz, recentemente na Domus, diz-nos que o design é cada vez mais visto como um território sem limites, às vezes pouco claro e muitas vezes contraditório. Questiona-se sobre a própria necessidade de definição de uma disciplina (criativa) aberta à proliferação de definições (um agente, uma definição), argumentando a favor da ambiguidade de objecto,  mas lá acaba por rematar:  It is at the very moment that transition becomes crisis and that decline implies survival, that the definition of design, of its role, of its contribution, of its responsibilities and of its limits becomes fundamental. The precise moment in which it becomes difficult, if not impossible, to define design, is the very moment in which it is necessary to do so.

II

Lembro-me que comecei estes “ensaios para ensaio” - como carinhosamente os chamo - preocupado com as definições e os limites (ou não fosse definir, limitar) e hoje interessa-me particularmente regressar aos “limites, não de forma vertical, em que possa ambicionar alcançar o ponto de charneira onde me é possível transgredir (ou usando uma terminologia pop, passar de nível), mas, contrariamente, de forma horizontal”.

III

A questão dos limites é matéria-chave do método para a criação? (e para o pensamento?) Estar-se consciente ou não da transgressão disciplinar terá exactamente o mesmo peso para quem cria? (e pensa?) Será a contaminação pressentida na jornada criativa ou é apenas resultado do processo de assimilação crítica posterior? A resposta mais honesta está mais próxima do: quero-lá-saber. É por isso material crítico de quem (apenas) observa de fora: uma questão de perspectiva, ou como pensava ontem António Pinto Ribeiro, a mesma perspectiva (profundidade) que se perde nesta nova-evidência da vida através do ecrã.

IV

As várias velocidades do momento pandémico mostram-nos uma abundância de pontos de vista e consecutivas respostas dificilmente observadas noutras pestes. A “qualidade do sofá, da velocidade da Internet e da variedade do que há no frigorífico” - como genialmente resumia Susana Peralta – e as suas múltiplas conjugações permitem riquíssimas capacidades de leitura ao momentum, que desejam efabular cenários que vão do mais mimético (ao que havia em Fevereiro) ao mais extemporâneo cruzamento (perdas de limites) do pós-capitalismo com o pré-totalitarismo digital.

V

“Nunca antes se tinha assistido a tão vasta e interdisciplinar reflexão teórica, produzida em tão pouco tempo, sobre um mesmo fenómeno que acabou de eclodir. A difusão deste vírus, as suas consequências e o modo de gerir a política e a logística às quais ele veio colocar um desafio inaudito apresentam-se como conspícuos motivos que põem toda a gente em estado de alerta pensante.António Guerreiro, hoje.

VI

Sobre os limites, interessa perde-los quando se pretende pensar – ou escrever. Nada é tão prazeroso quanto a contaminação disciplinar - ou o diletantismo. Para esta peste, que nos trouxe o advento dos especialistas, interessa recusá-los e avançar para as miscelanização das perspectivas, quer estas venham de um higiénico sofá, de um austero banco de um transporte público ou de uma maca hospitalar – mas que venham de todo o lado.

VII

Miscelânea: “Obra composta de escritos sobre diversos assuntos” (Priberam); “Constitui um dos principais precedentes do ensaio ou género ensaístico, e consiste em uma colecção de materiais heterogéneos, que apenas tem entre si em comum o fato de suscitarem o interesse do compilador e do público que presumivelmente iria comprar o produto, mesclando opinião, instrução, e diversão. (Wikipédia)


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