17.07.2020 Interessa-me particularmente a paranoia IV

I

Sobre a peste, permanece a ignorância e o sonho. Quanto começaremos a culpar apenas deus? (em vez de uma conjuntura). É o mais plausível, não é? A aleatoriedade da coisa só pode ter a ver com castigos-divinos. A luz do céu está adoçada de amarelo-abafado. Há um incêndio em Valongo. Diz que é perto – não sei propriamente onde fica Valongo sem um preguiçoso dispositivo electrónico que me guie. Estão 34 graus ao pé de Valongo. De Espanha, notícias de máscaras nas praias: só tirar dentro de água. Um alter-confinamento. A luz eléctrica à noite (parece que) aquece a pele. Mas é mentira. Os adeptos de futebol de Valongo ante-ontem furaram a pandemia: foi-lhes oferecida a ousadia da vitória / foram castigados pelo incêndio.

II

A 13 de Julho um grupo de 83 milionários (pela humanidade) pediram aos seus governos que lhes aumentem os seus impostos. “Imediatamente. Substancialmente. Permanentemente”. Já se passaram quatro dias e ninguém apanhou a deixa. É daquelas deixas que não se deixa apanhar (mesmo ao contrário da peste). Como os ricos não querem ser menos ricos e os pobres querem apenas ser muito ricos, a distribuição da riqueza é um epifenómeno autoral. Arde como em Valongo. “So please. Tax us. Tax us. Tax us. It is the right choice. It is the only choice. Humanity is more important than our money”, dizem os Millionaires for Humanity. Um milionário é um super-humano, como em Nietzsche? Um milionário-humanista é um contra-senso / ainda tens fé na humanidade?

III

As Nações Unidas calcularam que manter a temperatura global abaixo de 1,5º C custa entre 1,6 e 3,8 triliões de dólares por ano. Em Maio deste ano, o Fundo Monetário Internacional estimou que os governos dos diversos países se comprometeram em 9 triliões em medidas fiscais para combater a peste e o seu impacto económico. Keep printing money – não é uma citação. O Koolhas está preocupado com isto (é preciso fazer as contas). Dá para salvar a humanidade? O Koolhas acha que não / eu também. O Gadanho também está preocupado com isto? Dá para salvar a humanidade? O Gadanho acha que sim / eu não, só me interessa a Utopia enquanto espaço ficcional. Viva a realismo! Aos arquitectos pede-se realismo e edifícios, quando se deveria pedir sonho. Para o sonho, os arquitectos têm de oferecer, não podem esperar a encomenda.

IV

Keep printing money – ou melhor, ponham mais um zero na conta. Não é assim tão simples, pois não? Se fosse, os Banqueiros não criavam teias indecifráveis. Não percebo nada das notícias desta semana. Mas também, todas as profissões gostam de complicar para justificarem a sua pertinência. Por vezes, em profissões-chave, basta mudar as nomenclaturas / noutras há que incluir formulários / numas terceiras há que criar uns compostos de fios coloridos com rectângulosinhos metálicos - já abriste uma máquina de lavar a loiça? Abri ontem a minha (avariou) e fiquei a olhar: é absolutamente extraordinária a complexidade gráfica. A máquina continua avariada. Foi o calor? Vou começar a usar azul.

V

A humanidade em paranoia. E o calor. Não tenho lido. Não se pode ligar a luz à noite. Queima a pele. Vou ler agora, há pouca humanidade na rua e nenhum milionário irrealista.

 

 

 


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