01.08.2020 Interessa-me particularmente o ensaio e o diálogo V

I

Mas depois o que interessa é o fim: para que escreves? Dás-te liberdade nuns sítios, procuras clareza quando precisas mesmo de comunicar. Clareza. Permites-te ser vago e rebuscado, tantas vezes impenetrável (dizes: este hoje é só para mim). E quando precisas de comunicar: sofres aflito porque levaste o teu estágio por maus caminhos, tempo demais. Não me lembrava como é tão difícil escrever  (apenas) uma frase. Mas pronto, auto-incumbi-me disto para os próximos tempos. Um texto é fácil. Vive-se e lê-se (talvez sejam coisas diferentes). Deambula-se para sintetizar. Encontra-se uma cadeira e um teclado, quarenta minutos para a frente e para trás, dez só para trás. Tenta-se não corrigir demais porque o interessante está no envergonhado apanhar-de-cacos quando meses depois se regressa – e pronto, seiscentas palavras, de uma assentada, metodologicamente sem esforço, compõem um apetecível “texto”.

II

Já a prática de uma frase solitária de cinco a dez palavras (uma frase que quer comunicar) é um momento eterno entre o sofrível e o esgotante. Num texto, uma frase está sempre (bem) acompanhada. Não terminaste uma ideia? Resolve-a a seguir. Nenhum arquitecto alguma vez quis projectar para o deserto. Talvez o Hannsjörg Voth ou o Not Vital, mas esses não são (bem) arquitectos. Porquê dizer em sete palavras o que podes abrilhantar em página e meia?

III

Não sou capaz de comunicar numa frase. Quatro é o ideal; ou três mais duas. Arriscas no primeiro bloco, rematas no segundo. Duas – também pode ser – podes vacilar na primeira, tens sempre uma segunda onde te esforçar melhor: é sempre melhor a dois. E depois há a suplica desesperada pela co-autoria: nós nunca combinamos que tu tratavas da imagem e eu do texto! Talvez um fotógrafo consiga escrever melhor. Tem de estar lá tudo numa imagem parada, não é? (as imagens nunca são paradas); tem de estar lá tudo numa frase. Doravante, escreves tu / escreves fotografias. Um método para a escrita: fotografar.

IV

“… mas enquanto ele teve a felicidade de chegar sempre antecipadamente, eu e todos os que vieram depois já chegámos demasiado tarde. Já não há lugar para ninguém e, no que me diz respeito, só posso considerar-me póstumo …”

V

Isto que eu escrevo e aqui publico, não é mais (é, é) do que uma acção estilística de escrita, simultaneamente um exercício de memória, consequentemente autobiográfico, confundido com um diário-do-quotidiano em estilo confessional. Se é realista ou ficcional dependerá dos dias e da interpretação de quem o lê em acreditar-se na sua f/actualidade. Por vezes, nem eu (me) acredito. As minhas ambições são de ordens várias e estão todas publicadas para memória futura (para me obrigar) e assumem a minha preferência para o epíteto de ensaísta sobre qualquer outro cognome. Aqui, é fácil. O problema é quando - só - te permites a tudo, numa frase / ou numa tese.

VI

É necessário um certo requinte na coordenação da chegada do sono durante um filme, aos dois cinéfilos em sincronia. A perfeição repetimo-la esta semana no Le Confessioni (2016) do Roberto Andó e no Un Beau Soleil Intérieur (2017) da Claire Denis. Regressámos ao primeiro, voltaremos hoje ao segundo, se os textos e as imagens (e o sono) nos deixarem.

 


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