06.08.20 Interessa-me particularmente o tempo
I
Tenho tido muito
sono. Este contínuo estado de preocupação vigilante esgota-me sempre perto da
meia-noite. Não caminhamos para o pós-peste, estamos indefinidamente neste
espaço atemporal que ainda se auto-reprime. Nada de projectos continuados,
apenas elasticidade. Tudo o que faças hoje, que possa ser esticado e reagrupado
no passo seguinte. Interessa-me particularmente o tempo, por estes dias: tenho
feito listas cronológicas de filmes, edifícios e quadros. Houve um tempo em que
o tempo foi linear. Tanto aspirei por uma leitura centrífuga do tempo qua a encontrei
na peste: quando regressamos à linha?
II
Interessava-me a
ideia circular do tempo nos gregos. Já não me interessa. Agora (hoje, em peste)
prefiro o tempo judaico-cristão. Na sua Autobiografia Científica, Aldo Rossi falava-nos
da dupla dimensão do tempo em italiano (e português): história e atmosfera / a
ideia do nevoeiro, que pela manhã invade a colunata e entra o panteão de Roma.
Tempo e Tempo. Não era esta a imagem de Rossi. Podia ser a minha. Não me lembro
e tenho preguiça (e sono) para ir verificar a imagem exacta de Rossi. A procura solitária, melancólica, não hierárquica, fragmentária. O sonho de Rossi, no seu duplo sentido (como no tempo), abstracção e desejo. Interessa-me
particularmente a procura de Rossi por um tempo que não é tempo, antes e depois
de qualquer tempo (em arquitectura).
III
Tenho feito
listas (e dormido). Amanhã começo uma lista de sítios que ainda não vi em
Itália. Uma lista cronológica e geográfica em estilo: para um percurso de desejo pós-peste.
Há viagem na peste – ontem, ao final da tarde, as esplanadas do Largo do
Priorado estavam repletas de Turistas. Copos e Inglês: duas línguas universais. Já não faço planos de viagem (apenas listas). A peste confinou-me a carteira. Julho
prometia, Agosto desconfirmou – mas desconfirma sempre: Agosto não é mês nem de
viagem, nem de trabalho – um limbo, atemporal, como este espaço-de-peste
IV
Tem-se falado
pouco da Torre de Babel por estes dias da peste. Esperava mais referencias. “Naquele
tempo toda a humanidade falava uma só língua”. Talvez não se tenha
decidido ainda qual a língua comum: o inglês / a internet. “Um só povo, com
uma só língua, não haverá limites para tudo o que ousarem fazer”. Levámos
longe demais a nossa busca pela unidade. O senhor alertou-nos cedo para tal
empreendimento. Daí que é melhor mantê-lo dual: copos-inglês; inglês-internet; internet-viagem; viagem-tradução / uno, só mesmo o senhor. A peste enquanto força para o
caminho da diversidade, da complexidade, do caos.
V
“Lasciare Libero Questo Posto” - a peste em italiano tem outro sabor – dizia nuns bancos de um comboio no Vesúvio que vi numa foto numa rede social de um arquitecto italiano em viagem. Que fabuloso conjunto de palavras Arquitectura, Itália, Viagem. Ontem começámos a fazer planos para o próximo confinamento: o quarto-de-banho do piso de baixo. Começaremos por aí. Já tens planos? Nós vamos cobrir os azulejos com uma pasta primitiva que andamos a namorar. Mas primeiro há que passar o Verão, sem viagens. Façamos listas, para passar o tempo. Não há nada melhor do que sentir a passagem do tempo. Nisso (e em pouco mais) valha-nos o judaico-cristianismo.
VI
“E foi dessa
forma que o Senhor os espalhou sobre toda a face da Terra, tendo
cessado a construção daquela cidade. Por isso, ficou a chamar-se
Babel, porque foi ali que o Senhor confundiu a língua dos homens
e espalhou-os por toda a Terra.” (Genesis 11:8-9). Venha de lá novamente a
viagem que nos una.
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