09.08.2020 Interessa-me particularmente os contrastes
I
O Bernard Stiegler
morreu esta semana. O autor mais complexo que desisti de ler. Culpa minha, (des)entusiasmei-me
ou tive sono. Devo ter tido sono. Já foi há uns anos. E ainda não lhe regressei.
O Da Miséria Simbólica foi primeiro livro que comprei online. Traí a
livraria física. A Sílvia tinha-me comprado o Wabi Inspirations do Axel
Vervoordt pela WOOK no rescaldo de uma viagem a Antuérpia e havia saldo-oferta
para gastar (parece que assentei no diário / vou inverter a marcha).
II
Aos 24 anos Stiegler
assaltou um banco (entre outros), foi preso e tornou-se filósofo. Mudou de vida
ou talvez não, porque em 73 já investigava sobre tecnologia. O problema foi o
banco. Porque é que o Stiegler assaltou o banco? Para se tornar filósofo.
Interessa-me particularmente nesta história dos assaltos, a capacidade que o
jovem presidiário teve para convencer Jaques Derrida - o seu futuro mestre -
que talvez não fosse má ideia ajudá-lo a percorrer o seu caminho. Basta isto
para mudar de vida? Convencer alguém (um) que se quer mudar. Mudar não basta,
se ninguém (aquele) for convencido. Convencer / ou como roubar bancos. Mas há
que convencer o mestre certo. Como procurar um mestre / ou roubar bancos. Já há
poucos Derridas, e nenhum por aqui. Com a idade, vai ficando pior.
III
Beirute também
morreu esta semana. Sempre me fascinou Beirute – certamente pela Paris do Médio
Oriente. Cheguei a Beirute pela B018 do Bernard Khoury, uma discoteca esventrada
no sub-solo de uma rotunda nos subúrbios. De noite, é ironicamente uma cratera
iluminada como a magnificamente trágica explosão desta semana. A Bernard
Khoury, tal como o outro Bernard, Stiegler interessa a tecnologia – o tecto / escultura
do B018 que nos revela as vísceras das noites do Líbano - ou em toda a sua obra.
IV
As novas imagens
de Beirute fazem-nos esquecer as anteriores. Yabani, um restaurante japonês (adivinhe-se,
no sub-solo) desenhado por Khoury filho, o Arquitecto Bernard, faz emergir das
entranhas uma cápsula quase medicinal, um telescópio que nos convida para outro-mundo
/ outra-Beirute. Ao seu lado, jaz uma arquitectura sem portas, janelas, vidros
ou rebocos. Rebentada pelo tempo de Beirute que não é o mesmo que o nosso. A
fotografia de Yabani é de 2002, mas podia ser de hoje. Nada mudou em Beirute
com a explosão. Eu disse arquitectura, não ruína – morava-se lá, em 2002, como
hoje, sem vidros.
V
Mas o que difere este Bernard, Khoury, do outro Bernard, Stiegler é uma ideia de certo apoio privilegiado ao caminho. Enquanto Stiegler roubou um banco para chamar a atenção de Derrida, este Bernard, terá já crescido rodeado de coisas como o Interdesign em Wardieh, Hamra, um edifício de exterior brutalista em estilo nave-espacial, que envolve um minimalismo medicinal no seu interior – contrastes no quais o jovem Bernard cedo foi introduzido pelo autor, o seu pai, Khalil Khoury.
VI
Procura-se então
um mestre. Só um, aqueles que nos permita, de fora para dentro, voltar a sair.
Mas só se pode sair conhecido o interior, as entranhas, da prisão ou de uma
discoteca nos subúrbios de Beirute. Procuro um mestre, que me deixe entrar. Mas
não te preocupes mestre, eu saio logo – eu só procuro a independência, mas está
difícil encontra-la de fora.
VII
Interessa-me
particularmente a cratera de 43m de profundidade desenvolvida pela explosão e a proposta do
Khoury Beirute Museum of Art.
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