01.09.2020 Interessa-me particularmente a paranoia VI
I
Morre quem pode,
fere-se quem aguenta. Morreram 16 pessoas ali a 100 metros de onde hoje escrevo.
Por superstição tenho usado o outro passeio. Tiveram uma morte privilegiada
porque não constaram da tabela da peste no tempo-real do seu fim. Preservou-se
a dignidade. Nunca percebi a utilidade da pergunta: morreu de quê? Aprende-se com
o Herberto, que aprendeu com os gregos: morreu, mas viveu com paixão. A europa
começa a dar sinais que por cá voltamos a não querer atender. Corrida ao papel higiénico
fase dois. Fase dois do arco-íris. Mas, não disseste que ia ficar tudo bem? Mentiras
de paranoia, top três: o arco iris, a máscara e a crise económica. Verdades de
paranoia, top três: o arco iris, a máscara e a crise económica. Se repetires, eventualmente acaba por acontecer – isso, depois de veres o que
te calha em sorte.
II
Somos os que já
não fazemos planos: uma nova moda antiga. Um conservador que conserva o
progresso é à-mesma um reaccionário: encolho os ombros. Conservar as novas famílias
ou a nenhuma família; conservar a laicidade e o pós-capitalismo; conservar o livro,
o filme e a mesa de amigos; conservar a independência e a preguiça; conservar o
sublime e o corriqueiro. Qual é a melhor idade para a reconversão simbólica?
Isso, ou a constatação envergonhada de que tens sido pouco mais que um novo-reaccionário. O que defendes mal chegou a existir, é feito da mesma ficção que o
arco-íris mascarado de crise. A igreja ao lado de minha casa continua cheia ao Domingo
à tarde, tal como a secção de gadgets a bateria da loja online daquele que
fizeste dono-do-mundo. Faz tudo parte do mesmo progresso. E usam máscara / ou
não, consoante a vantagem económica de cada pregador.
III
Dá-se à ferida
quem aguenta. Morreu de quê? Viveu por sorte e precaveu-se. Colocou a máscara, aforrou
debaixo do colchão e pintou meios círculos coloridos à janela. Mentiu-se e foi
verdadeiro consigo no mesmo exacto-momento. A geração mais bem preparada de
sempre regressa em breve à aprendizagem. Precaveram-se. Ainda acreditam em deus
e na vida-toda dentro de um bolso espelhado. Estou velho de mais para acreditar
na segunda e novo de mais para acreditar na primeira. Um conservador é um
guardião de ficções. Tal como um progressista. Que nome vamos dar ao entusiasta
tecnológico com fé? Uma categorização baralhada. Morreu de quê? Viveu ferido: uma
chaga aberta absorvente encaminhou-lhe a vida. E a paixão. Sim, viveu a paixão
dos outros, mas nunca a dele, pois sempre copiou em vez de elaborar os seus
próprios copianços.
V
Uma ilusão partilhada. A convenção protocolar dos mascarados. Com que regularidade trocas de máscara: um novo tabu. Assumes orgulhosamente todos os teus interstícios sentimentais e demais vexames, mas mentes na higiene pandémica. E mentes na sorte. Pouco de ti, muito da sorte que te aconteceu. Mas mesmo depois, para o que fazes com a tua sorte é preciso sorte. Muda de sorte antes que a máscara te mude.
VI
Depois faz-se o
lago - se houver dinheiro. Há-de-se-fazer o lago.
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