19.10.2020 Interessa-me particularmente a resistência

I

Algumas livrarias dos Estados Unidos entraram em modo guerrilha. Combate impossível. Combate triplo (pelo menos). A perda da leitura. A perda de leitores para o digital. A perda de clientes para o digital. “Compra livros a quem quer vender livros e não a quem quer colonizar a lua”. Funciona? Será capaz esta simples peça de resistência evangelizar novos-públicos? Tempos difíceis para convencer o outro lado. “Anyone else feel weird about making a 1$6 Trillion company even richer?” Esta peste (já) fez avançar o mundo 10 anos em 6 meses. 6 meses de transformação digital. “Books curated by real people, not a creepy algorithm”: sabes quem é que escolhe quem tu és? Quem permites ser o teu curador?

II

“- Sabes, eu escrevi um livro?

- O que é isso?

- É como uma grande revista.

- Ohh!

- É como a internet feita de uma árvore.

- Ohh! Esquisito.”

III

Ontem, o Brian do Family Guy a engatar uma millennial (talvez Gen Z) usando a sua habitual estratégia. Acabaram a fazer sexo no wc de um bar. A jovem-caricatura, que parecia indiferente aos avanços intelectuais do decadente personagem, acabou afinal seduzida. Terá sido pela estranheza do objecto? Um livro. “Ohh Weird! Do you wanna have sex in the bathroom”. Terá sido por egocentrismo?  Um livro também é egoísta (a jovem nem olhou para Brian, agarrada ao martelar de teclas do seu telemóvel. Apenas sexo.) O livro sobreviverá pela sua esquisitice? Esquisito: escolhido; apurado; distinto; elegante; requintado; invulgar; precioso; raro; excêntrico; extravagante; singular; ...

IV

O Miguel Esteves Cardoso voltou de férias. Tantas férias Miguel. Como te atreves a ir de férias numa altura destas? Um mês? E quem nos lembra a sorte do dia-a-dia na tua ausência? Os Livros, certamente! O grande símbolo da resistência. O Livro. Queimar livros, como na ficção científica (tornada real) da primeira metade do século passado. Hoje, o livro não precisa de ser queimado, mas apenas digitalizado e controlado pelo creepy algorithm. Os livros já não se queimam por ideais – queima-se como stock morto, excesso, resto.

V

“Buy books from people who wants to sell books, not colonize the moon”. 10 anos em 6 meses, and counting. Resistir. Quem é que quer resistir? A resistência soa mal e cheira a bafio e sabe a conserva. Quem é que quer ser conservador? Há que mudar o termo para conservar. Mas queres conservar o quê? o livro; a universidade; a laicidade; o bar enquanto refúgio da decadência dos de-pouco talento, como o Brian; o encontro; o cumprimento; a língua; a oratória; a sedução; a televisão; a viajem; a história; o espaço; o toque; a arte; o saber; o ócio; …

VI

Queres resisitir comigo? Precisamos de melhores frases de engate para nos salvarmos.