08.12.2020 Interessa-me particularmente algum equilíbrio II
I
A Esther, a equilibrada,
não lhe bastavam os indecorosos ataques dos medrosos, acusando-a do mais líquido
recorte de negação; tinha pois, igualmente, que sofrer do mais calunioso epíteto
de medricas por parte dos negacionistas. Para quem não conhece Esther, aconselha-se
o texto de ontem, que modéstia à parte, considera-se (hoje) pouco melhor que medíocre.
Se o texto é mediano, não é de mediania que se fala quando conversamos sobre
Esther. Se a nossa personagem tem alguma virtude: é de saber ocupar o espaço
central como quem ganha um duelo de espadas. Ela está - e quer estar – vitoriosamente
no sítio certo.
II
Pena é que, na
cidade de Esther, em tempos de peste (como nos outros), todos se achavam equilibrados
– pelo que, não se pode esperar nada de bom de uma cidade assim, pois não? Sempre
que Esther saísse, desmascarada, em dias de chuva, logo dedos humilhatórios se
lhe apontavam. Se em sentido inverso, encontrávamos Esther a distanciar-se do ocupante
do lugar da frente na fila para os cachorros-frios, imediatamente, risinhos
vexatórios se lhe eram dirigidos. Vida difícil para um equilibrado, em tempos
de peste (como nos outros).
III
Mas em questões de
equilíbrio, parece-nos que o problema é precisamente o centro: tendo em conta
os livros que temos lido, encontramo-nos em poder de dizer com alguma certeza
que o centro não é fixo, então coisa amovível que procura, a cada momento:
centrar-se (passamos aqui o devido exagero linguístico que tanto apreciamos). Ora,
Esther, tinha um entendimento diferente para o seu equilíbrio. Como a coerência
a aborrecia, optava por munir-se de balança nos seus passeios. Sempre que via
um negacionista, mascarava-se de medrosa; sempre que em contacto com um
cauteloso, esbanjava segurança virológica. Esther era a verdadeira equilibrada:
não por ideologia autista, mas por pragmatismo comunitário. Esther, não representava então o centro – mas era
aquela que forçava o centro, e ainda (noutros círculos), apenas inoportuna ou
frívola.
IV
Para além dos
equilíbrios e dos Foyers de Teatros (sim, com letra grande. Porque não? o nosso
conservadorismo está cá pela defesa das Instituições, outrora seríamos utopistas
simples), a nossa cara Esther nutria um certo gosto pelo eloquente e prazeroso debate
de ideias: coisa que ganhara da sua longa estadia em Paris nos anos 90, quando
decorava mesas de jantar pós-modernistas para banquetes informais. Nesses
tempos, poucos minutos de montagem chegavam para a nossa jovem prestadora de
serviços se tornar convidada das suas próprias mesas. Não é de surpreender,
então, que foi nessas mesas com mais enfeites que repasto, que a nossa heroína
aprendeu a bela arte dos equilíbrios na retórica. Voltando a pegar uma frase
que tão bem usámos esta semana, Esther confundia – como tantos de nós – mesa de
jantar com amizade: “o espaço onde podemos discordar sem matar”.
V
Se Camus falava
então da amizade, não podemos nós esquecer, com espacialistas que somos, de
atribuir um lugar ao nosso espaço de equilíbrios: a mesa. Claro está, já o
percebemos, que para além dos Foyers de Teatro, foi também a mesa que roubaram
a Esther nesta peste. Mas só a Esther, a equilibrada, pois como bem sabemos -
por canais televisivos de baixa qualidade que não admitimos ver - não são só os
negacionistas que se juntam para orgias e banquetes etéreos, como também os
medrosos para sacros repastos e outras obrigações do hábito. Ai, Esther,
aguenta, que isto ainda nem vai a meio.


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