05.01.2021 Interessa-me particularmente o ano III
I
Claudio Loria,
fundador do Leclettico, um espaço de edição de design em Milão, tem no seu site
uma forma particularmente interessante de se promover. Numa barra de
texto circular, passa qualquer coisa como, “Leclettico quer fazer um Hotel.
Leclettico quer fazer a curadoria de uma exposição de design. Leclettico quer
conhecer o Sorrentino e o Wes Anderson. Leclettico quer abrir várias
Lecletticos pelo mundo fora”. Expor
publicamente o que se pretende fazer (e com poucas garantias) acompanha duas
vantagens: 1 Mostra-se ao outro, com alguma soberba, que talvez se tenha as
características e as qualidades necessárias para o conseguir. 2 Quem o assume,
irá esfalfar-se intestinalmente até o cumprir, pois à humilhação do falhanço
interno, será acrescentado o vector público.
II
Ora, nesta fantasiosa
meritocracia em que vivemos, à qual por desleixe de engavetamento, ainda
chamamos capitalismo de mercado em lugar de feudalismo modernaço, só são
conhecidas três formas de obter sucesso. Ou se tem dinheiro ou se tem
contactos. A terceira é pois certamente, a sorte (e nem mesmo a sorte prescinde
dos dois primeiros para ser sorte). Claudio Loria, que imaginamos ter agora
dinheiro e contactos (mas cuja sorte desconhecemos) não dispensou acrescentar ainda
esta outra fórmula que agora estudamos: procurar formas para se mostrar
precisamente como se acha ser – alguém capaz de desenhar hotéis, fazer
curadoria de exposições ou jantar prolongadamente com as cabeças mais criativas
da sua ágora em troca de eventuais colaborações.
III
Posto isto,
cabe-me então, na ausência do tal dinheiro e dos oportunos contactos (e com a
sorte direccionada para outros fins) usar a mesma tática de Loria para fins
profissionais: quero desenhar interiores para apartamentos privados; quero
dar aulas na universidade; quero ser cronista residente do Público; quero abrir
um antiquário; quero desenhar cafés e outros espaços da convivência (para
quando reabrirem); quero escrever argumentos e desenhar cenários para filmes;
quero fundar uma revista de debate ideológico e/ou de arquitectura; quero jantar
com o Gonçalo M. Tavares e o Vincenzo de Cotiis; quero ser consultor de marcas;
quero desenhar um muro de pedra ao lado de uma árvore de folha caduca (ou outro
cliché antiquado da poética da arquitectura);
IV
“Verifico uma
outra coisa neste mundo. Não são os mais rápidos que ganham a corrida nem os
mais fortes os que ganham a guerra; não são os sábios os que têm pão nem os
entendidos os que têm riqueza; nem os instruídos são os mais estimados. Tudo
vai da sorte que eles têm.” Qohelet 9:11)
V
Com 2021
encaminhado para ser tempo de “preliminares da concepção” – conceito
de Agostinho que nos acompanhará durante o ano - cabe-nos a melindrosa, mas
gloriosa tarefa de passar os meses a proclamar qualidades e a procurar
oportunidades: ou a vendermo-nos.
VI
As listas que
fazemos para nós, quando tornadas públicas ganham uma exagerada possibilidade
que só um momento de ingénua arrogância criativa pode confirmar.
VII
Se não
funcionar, podemos sempre culpar a sorte (e/ou a peste).
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