07.01.2021 Interessa-me particularmente esse telhado (e as sapatilhas)

 

 I

Caro Alberto Campo Baeza, a Ofhouses publicou recentemente uma reportagem fotográfica da sua Casa Garcia Marcos (1991) em Madrid, onde, numa surpreendente imagem aérea podemos ver um pequeno telhado. Vicissitudes dos tempos, modernamente, fiz um print-screen e partilhei naquilo a que hoje chamo: o grupo, para o caso, um conjunto de arquitectos (e seus derivados) unidos por uma sala de chat numa rede social, que aconchega existências tão próximas como distantes, cuja crise de dois mil e oito fez originar e esta nova crise faz perpetuar.

II

Outrora, Caro Alberto, uma mesa de café resolvia a questão (ou ainda uma sala de jantar mais abonada). Mas hoje, em tempos de tecno-feudalismo pandémico, resignamo-nos aos possíveis para o nosso debate ideológico. Na legenda que acompanhou a colagem, assumi a minha surpresa-caricatural: “O Baeza tem telhado!!! O horror!!”. A provocação ficava por aqui. Em diante, seguiu-se uma virtuosa e responsável discussão n´o grupo sobre o porquê do seu pequeno telhado. 

III

Mas confesso: mais do que a erudição e a erotização das várias respostas-causa apresentadas pelos meus colegas d´o grupo, interessou-me particularmente as suas primeiras impressões, onde uma rápida reacção desvenda outras singularidades mais imediatas. RR, começa por acusá-lo de ser um “estudante talentoso a copiar o Siza” em jeito de auto-crítica enraivecida por ver a sua obra em nome-próprio continuamente adiada. JP, que procura dar os seus primeiros passos numa arquitectura assinada, alertou-nos que talvez fosse “uma daquelas leis de protecção de zona histórica “, o que nos mostra precisamente a luta interior deste jovem arquitecto com toda a nova burocracia que o acompanha neste seu processo inicial. Em seguida, MIC, habituada a gerir equipas em grandes-projectos, deixou que o seu ofício-acessório de preocupar-se levasse a melhor, “a cobertura plana começou a meter água e o dono substituiu por telhado”. AC, por sua vez, talvez habituada aos clientes mais maçadores, deixou escapar um “o dono-de-obra queria telhado, e ele fez-lhe a vontade”. AC foi ainda a primeira a elogiá-lo, meu Caro Alberto, “até está bem integrado, nada contra”, rematou. Mas somos todos estudiosos da sua obra, Senhor Arquitecto, não esmoreça.

IV

Da minha parte, fã que sou do seu texto “Quiere usted hacer una casa buena, bonita y barata?: Llame a un arquitecto”, que sempre uso na tentativa de evangelizar os clientes mais inseguros (mas sem sucesso), não poupei na ficção: “acho que essas primeiras casas do Baeza eram muito baratas, logo, para usar a pedra nos pátios, poupou onde não se via (mas agora há drones)”.

V

Caro Alberto, no momento em que lhe escrevo, a discussão continua tão acesa quanto inconclusiva. HR foi ao google-maps e descobriu que hoje, a sua Casa Garcia Marcos já não tem telhado, semeando nova discórdia. Recuperou ainda ideia da legislação e lançou-lhe a acusação de o meu caro amigo estar a “gozar” com a mesma - no bom sentido, claro, que nós arquitectos tão bem compreendemos (mas nem todos) e apontou a nossa “vaidade profissional” como motivação primeira. FO levou a discussão para uma cobertura inclinada de Paulo Mendes da Rocha em Lisboa e claro, Souto Moura no Campus de Aveiro não podia passar sem ser referenciado - coisas de se estudar arquitectura na Escola do Porto no início do século!

VI

Por tudo isto, Caro Alberto, precisamos de saber: porquê esse telhado na Casa Garcia Marcos? Ou então não Senhor Arquitecto, não diga, porque como nós bem sabemos, o que interessa mesmo é o entusiasmo com que a partir de meia dúzia de telhas se mantém viva e bélica a discussão sobre a poética do espaço e os seus sucedâneos. Este grupo de jovens arquitectos (sim, porque perto dos quarenta, nos sentimos tão jovens como nos corredores da universidade) agradece, quer a resposta, quer a ausência dela, ambas tão fundamentais para o desenrolar da nossa amizade.

VII

A mim, confesso-lhe ainda, Senhor Arquitecto, interessa-me particularmente outra coisa. Gostaria que o meu Caro Alberto me confirmasse um mito-urbano. É verdade que o Senhor mantém (com as devidas reparações) calçadas as mesmas Camper há vinte anos?


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