08.01.2021 Interessa-me particularmente esse telhado (e as sapatilhas) parte II
Caro Alberto
Campo Baeza, perdoe-nos o nosso despropósito de ontem. Bem sabemos, que as boas-práticas
exigem o melhor rigor, mas sabemos também, que o melhor rigor pode por vezes
acompanhar-se de algum aborrecimento e precipitar rápidos e inevitáveis desfechos.
BM, arquitecto e investigador universitário do nosso grupo, não acorreu
prontamente à minha provocação inicial. Deixou-nos discorrer livremente pela
leviandade da observação-instantânea. E aguardou. Quando sentiu sabiamente ser o
momento, apresenta-nos uma ferramenta que todos optámos por, sabiamente também
(aqui repete-se, veremos porquê) negar: o livro.
II
E o que nos diz
o livro: "La azotea también fue objeto de reforma. Las goteras hacían
de las suyas y para evitarlo decidieron cerrar el solarium que se abría al
cielo junto al tendedero y crear así un nuevo espacio que hace las veces de
trastero." E o que nos mostra o livro: um corte, Caro Alberto,
com os mesmos pés-direitos generosos e as densas entradas de luz que sempre nos
habituou.
III
Mistério
resolvido Caro Alberto, foi o cliente que marquisou o seu solário para
uma utilíssima despensa. Bravo! Porque, claro está, que o meu amigo, no seu
mais puro minimalismo, se esqueceu da quantidade insuportável de tralha que o
ser humano, longe dos trabalhos da estética, acumula irreflectidamente. Fossem
todos como nós, Senhor Arquitecto, consumidores em controle, e não haveria
poluição que afectasse a ingestão de peixe-fresco da existência futura.
IV
Mas Caro
Alberto, na realidade, nenhum de nós estava particularmente interessado em
resolver o enigma. Nem mesmo o próprio BM, cujo gesto letrado pedimos que desculpe, pelo seu defeito profissional
de quem, habituado às virtuosas lides da investigação, puxa do livro (ou do google)
à mais breve ambiguidade. Senhor Arquitecto, o que nos motiva é (só) a discussão. Coisas
como ter razão ou saber a verdade são para o caso particularmente
desinteressantes. É por isso, Caro Alberto, que na sequência nos nasce uma nova
dúvida: quem é que, no contexto da procura da sua intervenção crítica socializante na disciplina
da arquitectura (das artes e letras, das políticas e das ideias) é mais sábio:
aquele que velozmente acede à biblioteca (e ao google) ou aquele que intencionalmente a
afasta do momento do debate?
V
Bem, acho que “os dois” são uma óptima resposta, assim como “o primeiro” e também “o segundo”. HR, elogiava ontem a nossa capacidade de discorrer sobre arquitectura "baseada em bitaites de treinador de bancada”. Parece que, por-vezes, é necessário baixar o nível do pedestal da virgem-branca para voltarmos a subir o nível da arquitectura para os mesmo tempos apaixonados que o meu Caro Alberto tão bem viveu (e nós estamos a perder, fruto das economias, das pestes e das distâncias, entre outros deleites do nosso século).
VI
Senhor
Arquitecto, lembra-se de o ter ficcionado no ponto III como alguém pertencente
(como eu, soberba incluída) ao nobre grupo dos consumidores controlados? Pois
bem, tinha o único propósito de repetir a pergunta: é verdade que o Senhor mantém
(com as devidas reparações) calçadas as mesmas Camper há vinte anos?
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