21.01.2021 Interessa-me particularmente a encenação
I
Gosto do Bernie
Sanders, faz parte da minha utopia (a mesma que me sinto a perder). Ontem
foi um dia importante. Simbolicamente. Alguém que estava a dar um mau exemplo
ao mundo foi convidado a sair – e saiu, ainda que à sua maneira. Alguém que dava
ao mundo a sua normalidade (nova-palavra-maldita) foi convidado a re-entrar – e
re-entrou, ainda que à maneira de todos. Bernie, sentado, sozinho, aborrecido, amuado
(em roupa casual), sabe bem que: ainda que ter Biden seja melhor que ter Trump, vai
ficar tudo na mesma – mas não simbolicamente.
II
Bernie foi ontem
também símbolo nas redes socais. O que é só um meme burlesco para
uns, para outros, diz-nos que apesar desta requentada festa estar a ser boa, regressar
a hábitos interrompidos é tão nocivo quanto permanecer na inação primitiva
(e armada). Bernie sentado com os operários no Almoço no topo de um arranha-céus.
Hoje sabemos que a icónica imagem de 1932 foi encenada (ainda que situações
semelhantes reais lhe possam ter dado origem). Mas hoje, também sabemos que a imagem
de Bernie, a resmungar para dentro, em distancia higiénica ao system,
não o foi. Bernie e as suas tropas (como eu) deviam aprender a lição do system: encenar uma
simbologia. Lutar por uma utopia requer, em momentos certos, jogar algum
tipo de jogo.
III
Roxo,
consta, é a mistura do azul com o vermelho. Roxo, consta, é a cor das
sufragistas. Não basta a Kamala aparecer, tem de trazer consigo um símbolo. Adicionar símbolo a símbolo. Tal como Amanda Gorman ou Lady Gaga. Tal como Pence a levar
a sua mulher à porta do carro (na despedida), enquanto Michelle Obama segue sozinha
para uma porta e o marido para outra (um até já). As duas portas do casal
Obama dizem tanto como o lugar insociável na bancada de Sanders – a diferença
é que Bernie ainda não o sabia. Ou sabia? Interessa-me particularmente a encenação.
IV
Por cá, vamos ter para a
semana lockdown-total, ou uma-espécie-de. Dizem que controla a peste.
Tenho dúvidas. Ter dúvidas: a única certeza que nos ensinaram a ostentar. Falta-me
energia para seguir Bernie e os seus. Ainda estamos a 1300 mortos da Suécia.
Estamos habituados a estar sempre entre os piores, mas raramente somos mesmo os
piores. Ser o pior: um símbolo. Ser o pior não é só um símbolo, é afinal uma
conjuntura desagradável. No lockdown-total pelo menos não pode haver culpados particulares
- só heróis. Ontem, um repositor de stocks de uma grande superfície, dentro
de um metro acabrunhado - era um criminoso; para a semana - será um herói na linha
da frente.
V
Gosto do Bernie
Sanders, faz parte da minha utopia. Mas por estes dias apete-me pouco a utopia. Interessam-me causas menores como: evitar que um mau-exemplo consiga um simbólico segundo lugar nas
presidenciais portuguesas e contribuir simbolicamente para não sermos o último numa tabela descontrolada de mortos e feridos pela
peste. Hoje, estou como o Bernie estava ontem. Amanhã, logo se vê se consigo encenar qualquer coisa. Quem sabe, um símbolo.
Comentários
Postar um comentário