23.01.2021 Interessa-me particularmente particularizar o interesse
I
E disseram-me: “Qualquer
dia tens que escrever um ´interessa-me particularmente particularizar o
interesse´. O conteúdo inventa”. Começar sobre uma premissa provocatória
in-substanciada. Pela primeira vez, começarei ao estilo discos-pedidos.
Na mesma conversa uma confissão do meu proponente: “Eu hoje escrevi uma
frase com 15 linhas”. Seria (outro) um desafio? Também eu, caro
amigo, conseguiria escrever uma frase de 15 linhas - mas alguém compreenderia
o seu conteúdo? Nem nos meus dias mais orgulhosamente impenetráveis (a escrita enquanto
carro-blindado da vaidade) me esqueço da função primeira: comunicar.
II
Pois, anda-se às
voltas com uma ideia (de Gonçalo M. Tavares, quem mais?): “Só é digno de ser
investigado, o que ainda não tem fórmula, o que ainda não tem solução; e mais:
o que nunca terá solução. Errar, circular, hesitar em redor do que não tem
solução: um método?”
III
Primeira tarefa:
encontrar um interesse particular para se particularizar (o interesse).
Segunda tarefa: encontrar um mestre. Terceira tarefa: encontrar um
filantropo.
IV
Primeira tarefa.
Interessa-me particularmente “errar, circular, hesitar em redor”: um bom
método para desvios do caminho. Li na provocação, caro amigo, a procura de um
tema, de uma investigação (de uma pergunta?). Li na provocação, caro amigo,
porque a provocação interna me acompanha (há muito) a procura de uma
especialidade: em tempos de especialistas (nova palavra maldita), a
presunção da generalidade é uma efectiva superioridade moral * ser-se um generalista. Disparar para todo o lado, quebrar ligações e
promover “ligações raras”: eis o que me interessa fazer. O menino é
especialista em quê? Ligações (e raras): uma boa resposta, uma boa biografia.
V
Segunda
tarefa. Encontra-se mestre. Cartazes pelas ruas: alguém que ensine/oriente a disparar (com fulminantes ou discórdias vãs), a quebrar ligações (levianas
ou maciças) e a promover novas ligações (soberbas ou generosas) que se
apresente na minha mesa de trabalho durante a próxima década. O mestre que
eu desejava tombou a vinte e quatro de março de dois mil e dezanove.
VI
Terceira tarefa. Um longo legado geracional chegou até mim numa sina:
não tenho qualquer apetência para ganhar dinheiro. Não só lhe desconheço os
métodos como antipaticamente, caminho sempre (por uma ética) em sentido
inverso. Encontra-se filantropo ou ainda, como pagar a coisa? Como
se financia uma vida independente na escrita – era essa, afinal, a pergunta.
Nada mau para uma terceira tarefa que condiciona (e tanto) a primeira, caro amigo.
VII
Escrever é uma
disponibilidade para o outro, doutra forma teremos sempre a masturbação
utilitária. Se não fala com o outro e o (tenta, basta isso) modifica, de nada serve a habilidade-artística das 15 linhas meu caro amigo. Tal e qual a própria inutilidade deste pequeno texto invetado, com único propósito de lhe dizer: interessa-me particularmente particularizar
o interesse é um novo símbolo que usarei na minha procura de um
percurso aspiracional: tentarei ir por aí, assim que resolver a
primeira, a segunda e a terceira tarefa; e apenas se, tal possa servir para: comunicar.
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