19.02.2021 Interessa-me particularmente a sedução digital (parte I)

 

I

O que têm em comum James Bond e a mulher de César? Não faço a menor ideia, mas para o caso, interessa-me particularmente que o primeiro é normalmente precedido pela sua reputação e à segunda cabe-lhe a laboriosa tarefa de se parecer com o que efectivamente é (ou era espectável ser). Clichés, natürlich. Então, se Pompeia [de seu nome,  porque isto de ser-se “mulher de” tem os dias contados, pelo menos numa certa visão (minoritária, ainda) do progresso] tem de encontrar formas de demonstrar as suas habilidosas aptidões, já a 007 basta dizer aonde vai, porque quando chega, haverá sempre algum conviva pronto a confirmar que a sua reputação precede-o, senhor Bond”.

II

Se um arquitecto, tal como Bond, goza de um certo reconhecimento público, fruto de séculos de eruditos e cândidos exemplos, já um lojista tem péssima reputação social. Um artífice da arte do comércio, balança-se entre a mais rebuscada charlatanice e uma desmotivada posição de assalariado desqualificado, que apanhou oportunamente a primeira vaga para pouco-fazer. Nos últimos seis anos, dediquei-me a dar outra leitura à reputação do lojista (e à do arquitecto).

III

Ora, nestas coisas das profissões, confesso que puxar dos galões da reputação social, traz inúmeras vantagens aos inícios, reduzindo etapas na sedução. Parte das minhas (ex-) actividades diárias, faziam-se num certo flirt não erótico (espera-se) com aquele que eu gostava que fosse: o meu cliente. Num dia bom, poderia chegar a conversar com dezenas de pessoas – normalmente em língua estrangeira (unificadora). Os temas? Variantes de um mesmo tom: as cidades, o património, o turismo de massas, a reabilitação urbana, as diferenças culturais ou os modos de vida; e depois da corte feita: o design, o espaço, a curadoria, o produto, a imagem, a identidade ou o eu.

IV

Neste ano de reclusão pela peste, tenho sentido a falta do outro. Estranho? Sim, introvertido militante que sou surpreendo-me diariamente pela falta que o outro me faz. Não um outro conhecido, que encontro atrás de uma télé-chamada, mas o outro desconhecido, sem nome, sem reputação e principalmente sem futuro: o outro de uma breve sedução temporária em torno de um ligeiro diálogo sobre as artes e das letras.

V

Neste ano de reclusão pela peste, (ainda) não me consegui actualizar. Á sedução táctil, dos olhares, com pausas e incómodos, não consegui contrapor a sua variante digital. Como seduzir em tempos de ecrã? Primeiro, como convidar? Segundo, como cativar? Para Bond e Pompeia é aparentemente mais fácil. O primeiro, tirando partido da sua boa reputação, agrega; a segunda, gozando de bons relacionamentos [não esquecendo, que Pompeia é “mulher de” - também podia ser filha de, o que para o caso tem o mesmo poder], tem sempre à priori a sala bem composta para o seu processo sedutor.

VI

Outra parte das minhas (ex-) actividades diárias podia ser resumida na ideia do: curador – conceito volátil e “na moda”, que nos seus últimos estágios obrigava a uma particularmente interessante característica: conseguir, com meia dúzia de telefonemas, construir uma animada e bem-vestida guest list. Se o conceito de curadoria, para mim é outro, para o caso pouco interessa. O que interessa, particularmente, é que me esqueci, nos últimos anos de criar a tão ambicionada reputação que abrevia inícios, agora, nestes tempos digitais, fica mais difícil encontrar os caminhos para (não só ser, como) parecer. 


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