21.02.2021 Interessa-me particularmente a geo-arquitectura
I
Cara Amiga, no final de A Life on Our Planet - que me obrigaste a ver - David Attenborough diz-nos, entre outras delícias da redenção, que afinal “não se trata de salvar o nosso planeta, mas de nos salvarmos a nós próprios”. No 60 minutos, Bill Gates leva Anderson Cooper a comer um hamburger com o propósito de lhe explicar o seu "plano" de geo-engenharia para salvar o planeta (ou para se salvar a si próprio). Duas visões, aparentemente antagónicas para salvar o mundo, não achas? A primeira aposta na pedagogia de um processo de colaboração individual e colectiva, entre o eu e os decisores políticos (que afinal, nos representam – a nós que ainda temos esta utopia democrática). A segunda, um processo de salvação messiânico, liderado por um homem só, que se confunde com uma Fundação. Gates crê que “mudar o nível de vida dos países ricos não resolve as alterações climáticas”. O positivista da inovação, acredita que só adicionando se responde ao drama. Attenborough, ao contrário (como nós), prefere reduzir.
II
Como me
acusas, Cara Amiga, assumo-o: nunca tinha dedicado uma linha às alterações
climáticas. Certamente saberás porquê. Nos meus dias de utopista
democrático que acredita no progresso, acho que todos os males-do-mundo se resolvem
com justiça social, redistribuição da riqueza, participação e educação. Nos meus outros dias, de cáustico
pessimista de desenho conservador, tal como Diógenes de Sinope, não
consigo encontrar um homem interessado em se salvar, quanto mais (apenas)
um que deseje salvar o mundo.
III
Bill Gates, cuja
bem-feitoria se dá à mais elaborada literatura conspirativa, não precisa da
nossa reciclagem, nem da complexa colaboração pan-nacional – mas reclama os sonhos
pueris e as forças das redes sociais: outras Gretas. Cara Amiga, ainda bem que António Guerreiro
escreve melhor que eu, poupando-me a teorias vãs e outras acusações, que me poriam
em maus-lençóis: “Inovar, fazer, construir. Bill Gates é o exemplo extremo
da categoria dos geo-construtivistas. O seu optimismo emerge da convicção de
que o que há a fazer para evitar um desastre ecológico é reciclar o projecto da
modernidade científica, refazer o que foi mal feito com os instrumentos que a
ciência e a ficção científica nos fornecem, reconstruir o que foi erradamente
construído.”
IV
Sir David Attenborough fala-nos da hipótese de ainda irmos a tempo de “criar o mundo perfeito para nós”. Sempre foi só isso, não foi? A manipulação natural a favor da boa-vida. Desde sempre. E não temos quaisquer planos para que o deixe de ser. Nem nós, nem a Fundação. Uns querem gerir o espaço lá-de-cima, e enviam carros vermelhos telecomandados; outros querem curar o espaço cá-de-baixo, doença a doença, desde as pestes aos cataclismos (ex)naturais e enviam a caridade. É deixá-los, não? Que me dizes, Cara Amiga, vale a pena fazer alguma coisa? Hoje, digo-te que não, porque estou imbuído daquele pessimismo antropológico de quem anda a ver demasiado cinema europeu de autor. Amanhã, se fizer sol, talvez te diga o contrário. Quem sabe?
V
No entanto, Cara Amiga, dificilmente consegues encontrar ecologista involuntário melhor que eu. Consumir? Pouco e bem. Deslocar-me? Só a pé e para perto. Filhos? Não deixarei pegada.
IV
E o título? Ah,
sim, ia deixar para a parte-dois, mas como pode não chegar a haver (como bem sabes, o tema deixa-me poucas paixões) cá vai: a geo-arquitectura deverá ser qualquer coisa como a
capacidade de antecipar cenários, de alimentar hipóteses, de prever
contra-tempos e outras maravilhas que só a nossa disciplina consegue.
O da Fundação, prefere a geo-engenharia e o geo-construtivismo – andar para
afrente, acrescentar, avançar. Da nossa parte, andamos para trás, Cara
Amiga? Que me dizes, resistimos? Pode a arquitectura ser, para o sec. XXI, uma disciplina
de resistência?
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