23.02.2021 Interessa-me particularmente a geo-arquitectura II
I
Emily Chang
fez um sorriso maroto, que lhe abrira uma pequena mas sedutora cova na bochecha
esquerda, quando decidiu, por sua conta e (nosso) risco perguntar a Bill
Gates se ele e os outros moguls não deviam “all join forces like some kind of Climate Avengers?” Nesta pequena entrevista da jovem jornalista
da Bloomberg, ficou registada toda a reverência social do grande capital pelo
ainda maior capital. Os Avengers - ao que consta, pois confesso que tive de o googlar - são um grupo de super-heróis, que eventualmente irão salvar o mundo. Em bom português, traduz-se por: Vingadores. De que se
quererão vingar os nossos tecno-oligarcas?
II
Vingar, segundo o dicionário, tanto dá para “punir e castigar”, como para “vencer (distâncias), galgar, subir, trepar, conseguir, alcançar”, o que nos deixará certamente menos preocupados. Um conjunto de Climate Avengers, em fase de processo, parece uma ideia particularmente libertadora, principalmente num tempo (de peste) que nos ensina que a salvação é uma procura pela dicotomia dependência / segurança externa (ao eu). E depois de uma peste, enquanto não vem outra, tal coisa como os Vingadores do Clima vêm mesmo a calhar, não? Sim! para o credos mais liberais. Hell No! para as esquerdas mais conservadoras, habituadas a duvidar das boas-fés do capitalismo.
III
Fragmentos de uma conversa continuada, com a autora do desenho e influenciadora de textos ecológicos, Maria Inês Costa. Hoje o teu desenho ilustra esta crónica. Pena é que esta crónica não seja capaz de ilustrar o teu desenho. Como consegues ver, Cara Amiga, eu bem tento escrever sobre alterações climáticas, mas só me saem os desvios clássicos das ideologias.
IV
Na abertura da entrevista, a bela Emily não se poupa a esconder ao que vem. Senhor Gates “where should investors be placing their bets right now?” Gosto da ideia das alterações climáticas enquanto uma casa de apostas voláteis. Porquê apenas salvar o mundo quando te podes divertir a salvá-lo, transformando-o num jogo e num negócio? Eis um slogan para o cartaz da nova série dos Climate Avengers. Enfim! Quem me manda ver a Bloomberg pela manhã? Avançamos para outra coisa? Já que falamos em jogo, consta que cada português gasta em média 160€ por ano em raspadinhas. As médias servem-nos pouco, como já andamos fartos de dizer. Aqui, como sempre, é a moda que nos interessa. Quanto gasta em média, em raspadinhas, cada português que joga regularmente? Assim teremos uma moda.
V
Salvar o
mundo pode ser um vício (e uma moda)? Consta que sim. Mas pela nossa velha, decadente e utópica Europa
conservadora, que clama pela Grécia Antiga a cada passo da resistência, preferimos
eleger os nossos Vingadores, muito obrigado! "Processo lento, demasiado
tempo perdido em debate", dirão uns. "Não vamos lá com
consensos", dirão outros, os mais entusiastas da vingança positiva. “Não
quero saber”, dirão ainda - e bem - 50% a 70% dos que cá habitam. Porque
no fim de contas, nada disto nos diz respeito. É lá com eles, não é, Emily Chang?
VI
Bill Gates, depois
da deliciosa provocação da doce Emily, sobre a criação da grande vingança
tecno-oligárquica (aka Climate Avengers) ficou-se pelo
politicamente correcto “We should brainstorm more” – o que em bom
europeu, quererá dizer qualquer coisa como: não estamos ainda muito coordenados, temos de debater mais. Claro
que, para o caso, Bill referia-se a falar com Bezos, Musk, Zuckerberg ou o
próprio Michael Bloomberg. No nosso caso, os reaccionários de uma europa que
(afinal) nunca existiu, debater é coisa social, de mesa de café, ao final da
tarde, devidamente acompanhados de um qualquer líquido inebriante produzido, está claro, de forma
artesanal. Já que é para salvar o mundo, temos de dar o exemplo no que bebemos,
não?
VII
Mas em tempos de peste, não há lugar para o debate – está fechado por ordens de cima, até
que um qualquer vingador nos salve, já que a obsoleta democracia se esqueceu de o fazer!
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