01.04.2021 Interessa-me particularmente a vaidade

 


Interessa-me particularmente a vaidade é o primeiro episódio do nosso podcast. 
Textos de Andre Ramos, na voz de Telma Oliveira, com sonorização de Rui Resende.
Ouça-nos no Spotify.

I

Vaidade! Foi a vaidade que me trouxe aqui. A mim? Não! Eu não escrevo. Eu só digo! Por isso, esta vaidade não é a minha. Ou é? A vaidade do diseur. De dizer o texto, explorando a destreza poética de cada palavra tornada som. Que maior vaidade senão a vaidade da voz? Há outras? Há! A da escrita. Do pensamento, feito ensaio, feito diário, feito diálogo, feito voz. Feito…podcast.

II

E então a história é simples. Dois mil e vinte foi o que foi. E o que é que se faz: escreve-se: a peste, a paranoia, o desalento, o desencanto, a melancolia, a raiva, o descontrole emocional, erótico, político, íntimo, de um fim do mundo, dento do fim espacial de qualquer um de nós: a sua casa. E há lá coisa mais, arquitectura, que uma casa? A arquitectura, pois! Eu sou arquitecto. Quer dizer, eu sou arquitecta. Ai! O que vale é que somos os dois. Ou os três, porque as palavras escritas e as palavras ditas têm de ser ligadas. Com arquitectura? Também. E com música. Há la maior vaidade do que a música?

III

“A” conheceu “R” nos finais do último milénio, numa obscura e sedutora sala de chat do saudoso e extinto mirc. “A” e “R” encontraram-se em dois mil e dois, nos Jardins de Serralves, numa deslocalizada aula de Desenho I, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Desde esse fatídico dia, “A” e “R” são inseparáveis na ausência. “A”, faz de tudo para sair do Porto tão raramente quanto impossível. “R”, faz de tudo para estar no Porto tão possível quanto raramente. “A” e “R” são inseparáveis na distância. Juntos, já se tinham, sem qualquer réstia de imodéstia, separado, por exaustão.

IV

“T”, por vicissitudes da sua jovialidade e da pura sorte, durante os tempos da Faculdade de Arquitectura, não conheceu nem “A”, nem “R”. “A” e “T” encontraram-se algures em dois mil e treze na SCAR-ID, “a Porto based store-gallery specialized in contemporary and experimental design and art.”, que é como quem diz: uma loja. “A” era curador do espaço e “T” era designer na WEK, “a contemporary jewellery brand that explores non-conventional materials, reinvents the use of common ones, and reconciles tradition and innovation”, que é como quem diz: uma marca. Se hoje “A” e “T” são ainda curadores e designers, bem, isso depende da longevidade deste podcast, naturlich!

V

Ainda que “R” esteja mesmo aqui no país ao lado, a compor, a tocar, a filmar e a pensar, “T” curiosamente ainda não se encontrou com “R”, Se é que o podemos dizer. Porque em tempos de peste, os encontros já deixaram de viver indexados ao toque, ao cheio ou ao riso. Quanto ao olhar, sim, “R” e “T” podem ver-se – mas não é a mesma coisa, pois não? “R” e “T” contudo, dispõem de uma vantagem particularmente interessante: podem ouvir-se.

VI

E a vaidade? Ai, que já me esquecia da vaidade! É que estava a interessar-me particularmente contar como estas pessoas se conhecerem. Mas pronto, deixa lá! Fica para outro episódio. Isto também só nos diz respeito a nós e à nossa ostensiva, leviana, inconstante e inútil vaidade, feita, podcast.

VII

Vaidade publicada. Apenas porque me interessa particularmente, quer dizer! apenas porque preciso visceralmente dizer que estou velha, irónica, conservadora, decadente, cáustica, diarista, desempregada, ilegal, política, pessimista, egoísta, visceral, historicista, publicada, atípica, proprietária, ensaísta, resistente, panfletária, letrista, paranoica, equilibrada, melancólica e snobe.  Eu? Não. Ora essa, que ideia. Eu só digo!

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