11.03.2021 Interessa-me particularmente o cenário
I
O Cenário da Lei
da Bolha é intragável. A coisa em apreço é um programa de debate, onde as estrelas da companhia são dois
senadores: Sérgio Sousa Pinto, o velho e Sebastião Bugalho,
o jovem, e esta crónica vai parecer aqueles slogans da Ordem: Trabalhe
com um arquitecto - com a agravante que é bem provável que o cenógrafo
em questão até seja meu colega, pelo que dizem as boas-práticas: comenta só a
encomenda e a execução e escusa-te a criticar publicamente o que realmente te
interessa particularmente: a qualidade arquitectónica (e a capacidade de escrever
recorrendo a quatro dois-pontos na mesma, longa e aborrecida, frase).
II
Mas meus Caros Senadores, vocês até têm sorte: à vossa volta, na tal de realidade, nada mais do que um asséptico verde que mais faz lembrar uma antiga mesa de jogo - imagética que certamente serviu de inspiração ao vosso criativo. O problema, meus Amigos, é para ao lado de cá, ao sermos presenteados com uma subcave pixelizada que nos mostra um cliché datado de uma mistura de um cabinet de curiosities da velha aristocracia com um bar decadente do interior, com direito a (destaca-se) cocktails, candeeiros de parede e um intemporal jogo de setas. Tudo isto, debaixo das famosas “exposed beams”, ex-líbris do gosto europeu - pelo menos, visto pelos pelos deturpados olhos de um casal de americanos do subúrbio, nos programas de real estate da moda.
III
Claro que, bem
sei que o Kitsch, o Camp e os seus derivados são formas de estar na arte cénica
bem apreciadas pela informalidade poupada dos nossos dias, mas meus Amigos, o
problema não é apenas estético. Essa disposição dos vossos aristocráticos sofás
é um atranquilho àquilo que vos traz por cá (pela televisão): a discussão, o
debate, o confronto de pontos de vista. Dispostos lado a lado, os dois senadores
que não se tocam (culpa dos novos acrílicos anti-peste), também não se olham.
Ora, consta que, em tempos de peste, sem o toque e o cheiro, resta-nos o olhar, a performance e a sua capacidade de sedução. Mas até isso, meus Amigos, vos (nos) tiraram nas
noites de Sábado. Peçam uma mesa, Caros Senadores! Só uma mesa, fundo preto,
um jogo de espelhos. E o resto é convosco.
IV
Que falta nos
faz a mesa em tempos de peste! Entre a ilegalidade e a imoralidade, por
aqui arriscamos semanalmente – sempre com os mesmos, apanágio da época - mesas
de jantar tardias para os debates mais elaborados, recarregando ciclicamente variações
dos temas do costume: a cidade, a educação, a tecno-oligarquia, técnicas de
sobrevivência criativa no mundo digital, a falta da guita, entre outras
maravilhas do Confinamento da Cultura e do Lazer. Diferenças? O
cenário, pois claro. Salas de jantar projectadas por arquitectos embalam
melhor a conversa do que pubs irlandeses pixelizados, meus Caros Senhores.
V
Por isso meus Amigos,
deve o Arquitecto, para cada encomenda, encontrar o desenho certo não só para o
cliente, mas para si próprio e principalmente para a disciplina.
Qual dos três o meu caro colega dos cenários-para-debate decidiu priorizar? Não
sei (nenhum). Mas para o caso, o nosso interiorista digital não se pode
esquecer que há um quarto interveniente na sala (ou no bar): a nobre arte da
política, que projecta cenários, tal e qual, a arquitectura.
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