26.03.2021 Interessa-me particularmente o hábito (parte 1) e o cabrito

 


I

Uma colega minha dos tempos da faculdade, antes das modas do vegetarianismo de linguagem, ficou chocadíssima quando descobriu que eu não comia Cabrito só na Páscoa. Uma heresia? Acho que não. Coisas do hábito! Para esta jovem, na Páscoa comia-se Cabrito, da mesma forma que no verão se comem gelados, as meninas usam tule e os meninos boné.
Já há alguns anos, por motivos de mister, não celebro a Páscoa, que é como quem diz: tenho menos um dia por ano para comer Cabrito. Como tal, sou particularmente insensível não só à dor do animal, como à dor exclusiva deste momento de peste, em que a televisão nos mostra as mais militarizadas estratégias de cassação ao pequeno delinquente na imaginária linha de mudança de concelho, de quem só está a fazer horas para comer o Cabrito.

II

A última semana, a propósito de um despautérico ajuntamento, foi fértil naquela soberba própria das trincheiras que apontam o dedo: os #ficaremcasa vs os #negacionistas.
Ser #negacionista é uma pertença a um amorfo clube composto pelas mais intricadas motivações: há lá xamãs ayurvedas, há lá terraplanistas ao estilo do beato Mike Pence (que começava sempre as acções da sua task force de ciência, com uma oração), há lá ofendidos da Lei e Ordem que juram só eles ter lido a versão certa do 1984 e há lá - mas são poucos - gente com as vidas escangalhadas pela peste, que não encontram outro meio para os seus fins, senão verem-se enxovalhados junto do inimigo, enquanto único canal disponível para publicarem a sua súplica.

III

Da minha parte, sou um negacionista à maneira do berço clássico: como não consigo chegar à verdade, duvido de tudo!
De entre as coisas que duvido, destaca-se a objectividade do controle fronteiriço entre a sofreguidão da gula e o prato de Cabrito três concelhos ao lado – porque nisto, gentes do mediterrâneo (que quase que éramos): não há quem cozinhe melhor que a nossa mãe. É tudo uma questão de Cabrito. Quem sabe cozinhá-lo, cozinha. Quem não sabe, terá de encontrar um dealer com guia de transporte que o faça chegar atempadamente à refeição. 
Conheces algum?
A Sílvia gosta pouco de Cabrito e ligar o forno para um, está para a ecologia, como comer Cabrito está para o veganismo.

IV

Espero, pelo menos, que nesta Páscoa, passem na televisão o Mary Magdalene (2018) com o casal sensação Rooney Mara e Joaquin Phoenix, que ao que consta, a sua religião alimentar não lhes permite o Cabrito. Mas pronto, tal não será possível. O Diogo Morgado está para a Páscoa como o Sozinho em Casa está para o Natal, a menina usar blush e o menino jogar com berlindes. Coisas do hábito!
Ontem o Senhor Presente da Republica lá repetia a ladainha: "São apenas umas semanas, mas umas semanas que bem podem valer por muitos meses e anos ganhos na vida de todos nós”. Ou como dizia a saudosa Luíza Brandão nos tempos da Faculdade: Nem eu acredito nisso, nem tu acreditas nisso”. Negacionismo, lá está!

V

Pelo sim pelo não, (porque não sou grande fã da Páscoa) desta vez imbuído do meu #ficaremcasa, já estou como o Senhor Sub-director Geral da Saúde: Não é obrigatório que o Cabrito se coma na Páscoa. Pode comer-se, por um momento de excepção, num almoço na semana a seguir à Páscoa. Não há nada que o impeça.
É que assim, pelo menos, não lhes damos o gosto do argumento para mais umas semanas longe da esplanada desmascarada: A Culpa, foi do Cabrito”. 
Coisas do hábito!

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