02.05.2021 Interessa-me particularmente a efeméride

 


 
I
De entre os tempos recentes, houve um tempo em que o “eu” era definido pelo prestígio histórico da sua profissão. Seguiu-se, arriscadamente, um outro tempo em que se dava posto ao percurso que cada um fazia com a sua formação. Por fim, regressamos ao tempo em que a medida do “eu” é apenas registado pelo seu alcance contabilístico. A minha Mãe passou por todos estes tempos e eu gosto de lhe dizer, provocatoriamente, que por causa do seu posto, a culpa é dela e dos dela: os Professores.
A minha Mãe é Professora, e no seu tempo, que é também o meu, o seu posto é ela própria.

II
Os Professores - os mais antigos - em tempos de peste fundiram-se com o computador ao estilo Matrix e passaram as passas do Algarve num frenético, desacompanhado e forçado processo de aggiornamento, desejosos por regressar a um qualquer velho-normal, que na realidade já mal suportavam.
Só tal pode explicar a demora que a minha Mãe passou até sentir os outros efeitos secundários da peste: a solidão, o controle das liberdades, a injustiça e as paranoias. O seu posto - que está sempre primeiro que ela própria - sugou-lhe o discernimento da ficção que nos rodeia e só lhe devolveu a consciência no confronto directo com a privação de movimentos.

III
A minha Mãe ensinou-me sem me ensinar, que o que liga o que é Público (nós) é uma qualquer ideia virtuosa de Escola e por extensão natural: a Universidade, o Livro, o Museu, o Teatro, o Debate e (também) a Igreja.
Mas a Utopia da sua geração, que é afinal a minha, falhou.
Nunca a Educação conseguiu cumprir o apetite dos seus desígnios e talvez nunca o consiga, pois acontece num posto em constante desequilíbrio: educação a mais é controle e não cultura; educação a menos é ignorância e não liberdade; qualquer educação é paternalista e não apenas (in)formativa.

IV
A virtuosa utopia que a minha Mãe me ensinou, sem me ensinar, fez-me, como ela, falhar.
Interessa-me particularmente esta ideia do fracasso da virtude. “Há uma certa glória em ser-se incompreendido” lembra-nos Baudelaire. Mas se a virtude da Educação, não é mais, como nos ensina o Rei, do que “correr atrás do vento”, então que continuemos a nossa maratona.
Sabe-se lá o que acontece no dia em que deixarmos de correr.

V
Se estavas à espera que te falasse da minha Mãe no Dia da Mãe, leste o texto errado. Nesta família há pouco espaço para sentimentos e os seus constrangimentos. O que é um Professor senão um exemplo!

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