24.05.2021 Interessa-me particularmente o atelier II

 


 
I

Ontem morreu um dos nossos, o Paulo Mendes da Rocha. Que pretensão. Rescrevemos: ontem morreu o Paulo Mendes da Rocha, um dos nossos mestres. Os nossos mestres têm a idade do Paulo Mendes da Rocha, mais década, menos década. Habituados que estamos nestas coisas de seguir o exemplo, sabemos que se morre ali perto dos cem anos, mais década, menos década. Os nossos mestres estão todos por aí. 
E não me parece que estejamos particularmente preparados para os perder. Onde fica o referencial?

II

Segundo li, o Paulo Mendes da Rocha já há algum tempo que não tinha aquela forma clássica de um atelier. Quando aparecia um cliente, uma ideia, uma vontade, o nosso mestre encontrava um atelier que admirasse, entre gente estabelecida ou dos inícios e - como se diz agora - começava uma parceria. 
Mais do que manter uma utilitária e dispendiosa sala de computadores e autómatos em espera, recheada dos mais sedentos aprendizes em reverência, ávidos de absorver cada centelha criativa, Paulo Mendes da Rocha preferia juntar-se aos seus pares, dando uma “mãozinha” no refinamento de outros ateliers: eis a definição de um mestre – não apenas aquele que é seguido, mas o que regressa para um outro caminho.

III

Nós somos aqueles que (ainda) não cumpriram a sua arquitectura. A crise do subprime devolveu os mestres à universidade e obrigou à exportação de centenas de jovens criativos, para um qualquer posto intermédio na engrenagem de um escritório de projectos burocratizado em economias e sinergias eco-qualquer-coisa. 
A ideia do atelier morria algures em dois mil e dez.

IV

A ideia da arquitectura morria algures em dois mil e dez.
Uma década depois, cumpre-nos (re)começar a cumprir alguma forma individual de atelier.

V

Quando morreu o Corbusier, Kahn ter-se-á virado para os seus colaboradores e dito qualquer coisa como: “E agora, faço arquitectura para quem?” Ainda mal começámos a ideia de atelier e os nossos mestres teimam em não ficar cá para nos ver.
E agora, fazemos arquitectura para quem? Resta-nos: fazermos uns para os outros.

VI

“O Kahn começou aos quarenta. Ainda há tempo! Ainda o apanhamos!“

VII

Interessa-me particularmente esta ideia de “fazer para”. Nos últimos dois mil anos, deus foi uma óptima desculpa. O meu ateísmo não praticante permite-me fazer-de-conta que ainda se pode desenhar para os mestres, para a longa linhagem da arquitectura que une, sem cronologia, o Templo de Salomão à Casa Leme do Paulo Mendes da Rocha. Mas o meu ateísmo racional diz-me que não, e devolve-me ao ponto anterior: só nos resta mesmo desenharmos uns para os outros.
Faça-se a arquitectura, (mas) como o mestre nos ensinou!



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