16.06.2021 Interessa-me particularmente alguma liberdade

 



I

Isto (para a escrita) anda particularmente desinteressante. O momento-de-espera costuma(va) obedecer a propostas de esperança: aguenta que serás recompensado em dia exacto, hora a decidir. Há ano e meio que o deadline é empurrado para data incerta, ao sabor das sensibilidades dos tempos e dos patrocinadores. Apetece-te voltar a falar da peste? Porquê, resta-te mais alguma coisa? Relato dos dias: instabilidade meteorológica; a bola é a nova peste; a insanidade (paranoia) permanece; a intolerância a leituras desviantes da contabilidade dos mortos e feridos parece agravar-se; já há sardinha; a censura quer voltar (na rede); a subversão mantém-se pueril; e pouco mais. É o que temos, fala-se do que há:

II

O arraial da Iniciativa Liberal tinha tudo para ser um manifesto de razoabilidade, uma acção simbólica de uma interpretação alternativa dos (novos) números, das (invasivas) sugestões paternalistas, das (confusas) ordens securitárias, das opções (não mais que) sanitárias e das (particularmente interessantes) paranoias que nos acompanham. Só que não! O arraial da Iniciativa Liberal desenhou-se numa palermice infantil da qual fica difícil usar outra imagem senão o gastíssimo tiro-no-pé.
É pena! Para nós, que andamos a tentar tirar outras leituras, era agradável, uma vez por outra, encontrar eco político e mediático longe das agendas ecuménicas do costume.

III

O Cristiano Ronaldo trocou duas garrafas de Coca-Cola por uma água e o valor em bolsa do oligarca dos refrigerantes caiu repentinamente (mas já se levantou – coisas da especulação). 
Ora, seguindo o mesmo raciocínio, podemos esperar uma horda de marquises, anexos e barracos indisciplinados à boa maneira da auto-construção (DIY para os mais modernaços) pelo país fora. Para a próxima década, aos arquitectos caberá a nobilíssima tarefa de legalização destas tipologias fetiche da pouca educação. 
Interessa-me particularmente o exemplo, e a sua negação. O Maradona, cujos tempos ainda não exigiam que fosse exemplar, foi melhor exemplo que este Tony Montana que nos calhou em idolatria.

IV

O problema do arraial da IL é, contudo, tal como na questão da marquise, meramente estético: a festarola ao estilo associação de estudantes, as camisas azul-bebé pouco abotoadas e as pulseiras de couro exasperaram a esquerda (lugar do berço do liberalismo). A imagem neoliberal da iniciativa, aplicada (esteticamente) pela dissidência dos filhos da aristocracia privilegiada, agora viajada e até - veja-se - com amizades nas minorias, nunca irá permitir que a IL se se torne mais do que o que foi na noite de Sábado: um grupo de betos a deturpar conceitos políticos iluminados, em prol da manutenção do (eterno) privilégio.

V

O liberalismo, enquanto coisa progressista, que se tornou transversal, precisa urgentemente de ser redefinido no léxico comum, sob pena de seguir os mesmos passos contrafeitos do bombástico anarquismo.
Henrique Monteiro, que tem por hábito, ciclicamente, tentar precisar-nos o conceito, fê-lo hoje novamente: “Ser liberal, ao contrário da maioria das correntes políticas, é desejar que tudo mude, sem que haja uma revolução; de preferência sem quase se dar por isso.”
Uma certa ideia de discrição!

VI

Ou seja, o liberalismo é (tal como o anarquismo) afinal um método. Não se pode fazer um partido política à volta de um método, mas pode-se utilizar um método dentro de um partido político - coisa que se tem perdido nas disputas entrincheiradas dos radicalismos. 
O liberalismo enquanto um método de equilíbrio.

VII

E o que seria então um bom arraial liberal? Um qualquer cenáculo privado: ou a casa de cada um, onde afinal estiveram na noite de Sábado os verdadeiros liberais - a discordarem do estado-das-coisas, da peste e do que mais lhes importuna a existência (sozinhos, aos pares ou aos pequenos -  sempre pequenos - grupos).

 
 
 

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