16.08.2021 Interessa-me particularmente o símbolo
I
Na imagem, um
grupo de homens parece ter sido escolhido ao acaso para uma tarefa que exige
a maior simbologia; excepto dois; ou três. Um, ocupa o centro, seleccionado
pelo seu olhar sobranceiro, leva-nos a crer pela posição ser o líder da pequena
esquadra de propaganda. Por cima, à direita, talvez o mais jovem do grupo, que
parece receber ainda indicações de postura, mostra-nos um rosto de alguém que
certamente morrerá por uma ideia (pela chefia) – o soldado ideal para
ter à mão ou o símbolo ideal para ter à mão. No vídeo disponibilizado pela Al Jazeera, este nosso amigo é o único
que enverga um telemóvel, onde sob critérios de olhar ocidental, parece fazer
qualquer coisa parecido a um live.
Atarantados,
assustados, incrédulos, os seus companheiros acompanham a mesma identificação
que o cenário inerte. O triunfo medieval dos “estudantes de teologia”
sobre o moderno e ainda católico (enquanto universalista) ocidente que gradualmente
vai deixando cair a sua postura evangélica.
II
Para quem nasce a
meio dos anos 80, o 11 de Setembro é o primeiro grande momento histórico (o
segundo é a peste) que pode ser observado à mesma distância no interior da
província e nas elites da capital. Esta igualdade de ponto de partida
inaugura para tantos de nós a primazia do interesse geo-político sobre o
corta-e-cose de bastidores da política nacional com sede no bairro-alto. Vinte
anos depois do 9/11, os Talibans ou melhor, o Emirado Islâmico do Afeganistão
ocupa novamente o imaginário simbólico global.
Mas é tudo uma questão
estética. Habituados que estamos à brancura bem brunida dos qamees sunita ou ao clerical
chic xiita, o neo-medieval Pachtun de inspiração militar parece
especialmente desenhado a aterrorizar-nos. E não é para menos, porque esta não é uma guerra simbólica.
III
Na imagem, há quem olhe para baixo, reverente ao momento. Há quem olhe para o regista à procura de aceitação. Há quem cultive o mais puro vazio de olhar, que denuncia o mais puro vazio existencial. A estes homens, não a outros, mas a estes, nada mais resta do que estar ali, imbuídos de uma forma de transe de insensatez que não pode ter outro nome senão vida. É esta a sua única vida possível.
IV
Na imagem, não há mulheres. Não há mulheres em qualquer imagem deste gabarito por estes lados do mundo. Nestes lados do mundo há ainda um pecaminoso bacha-bazi, particularmente estranho à vulgata islâmica comum, que acaba por acentuar o lugar de incivilidade até do corpo feminino – a mulher na sua redução utilitária. Nestes lados do mundo, aos infiéis ocidentais nada mais cabe se não inebriarem-se com o ópio, abandonando o território à sua sorte história.
V
Agora mesmo chegam imagens de afegãos agarrados a rodas de avisão prestes a descolar do Aeroporto Internacional de Cabul: eis um bom símbolo para desespero, igual a outro, vinte anos atrás: americanos a atirarem-se de torres em chamas.
VI
Na imagem, o segundo a contar da esquerda, Mullah Abdul, chamemos-lhe assim, lembrou-se no preciso momento da fotografia, do dia em que se apaixonou por Iggy Azalea, uma performer americana de segunda-categoria que conheceu num estereotipado videoclip de hip-hop que um primo lhe mostrou. Mullah Abdul foi ensinado desde muito novo a combater o seu desejo. É esse o seu papel na imagem. É esse o seu papel (individual) na sua curta vida. Combater-se. E não é muito diferente do que fazemos por cá no ocidente.
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