16.09.2021 Interessa-me particularmente a (nossa) geração

 

 


I

Meu caro João Pereira Coutinho, desde que ontem à tarde li o seu último artigo na Folha de São Paulo, que me encontro numa disposição eufórica particularmente interessante . Sem me dar ao trabalho de procurar outras palavras, também "tive a estranha sensação de me olhar no espelho” enquanto, beneficiando da caridade digital dos tempos, já varria excitadamente o capítulo The X Way Out do Paul Fussell.
Parecia estar tudo ali meu caro amigo. Mas agora que já o reli fora do deslumbramento inicial, sinto que afinal foi a sua leitura do Fussell e não a minha que me interessou particularmente.

II

E digo-lhe meu caro, eu até repousava satisfeito em ter o nosso Mefistófeles de Celorico como meta, no entanto, agora que finalmente me reconheço entre iguais, acho que não preciso de me procurar longe daqui: eis a imagem que sempre me perseguiu.
Mas depois há este imbróglio de xíses que o meu amigo alerta, que mistura as gerações com classes (ou ganhos de personalidade) no qual, lamentavelmente, não posso obter culpas ou louros na caricatura: a geração X termina nos anos 80, o livro das classes é de 83 e eu só nascia um ano depois.
Ou seja, sinto-me assim afinal, um adoptado por condescendência a esforçar-se (mas pouco) para ainda ir a tempo de apanhar o americano.

III

Porque isto das gerações meu caro amigo é complicado. Na pior altura, caiu-nos na rifa e no colo, a mim e aos meus, uma desgraça tal lá por volta de 2008, que nos impossibilitou de continuar o vosso caminho e alcançarmos a nossa “boemiazinha dourada”. E eis aqui uma geração de xíses perdida, entalada entre o vosso cinismo de obscenos e falidos aristocratas e as micro-causas e os macro-revisionismos dos autocentrados tiktokers!
Precisamos aí, meu caro João, de uma boa bibliografia que nos pacifique etariamente. O que nos aconselha para nos fazer descansar na nossa condição de vencidos?

IV

Isto tudo meu caro amigo, tem afinal um prodigioso propósito: já andamos com falta de temas para o jantar. De temas e de comensais. Os xíses da minha geração que por cá ficaram são poucos e levaram longe demais aquela coisa da independência. Para além do mais, cultivam em excesso o “please do not bore me”, que o usando como escudo anti-concorrência, acaba por fazê-los perder o faro. E com o faro pouco desenvolvido, como é que se alarga um grupo jantante?
Parece que afinal estava a falar de mim! Adiante.

V

Mas caro João, deixe-me só que lhe diga, antes de terminar mais um destes escritos que agora, quase aos quarenta, me deu para exibir - o que nem quase aos vinte devia ter exibido - que não foram os “Before” do Linklater, mas sim os 2 Dias em Paris da Julie Delpy o porta-estandarte cá de casa da pré-idade-altura. Porquê? Razões estéticas, não há outras!

VI

Deste tão elucidativo capítulo de Fussell não me posso esquecer da forma como xísies escolhem as suas casas, antigas, enquanto proclamação da sua “liberdade contra a infantil obsessão (…) com o novo e o natural “embaraço” de sequer conhecer alguém que frequente a Igreja, entre outras pérolas da desta “parody aristocracy” (a qual tenho pejo em traduzir). 

VII

Bem, então no próximo Jantar, no nosso "banquete de migalhas", se o João Pereira Coutinho não nos enviar nova biografia resta-nos, ebriamente, apaixonadamente e colericamente, continuar a malhar no costume, como de costume. Viva o hábito!




 



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