22.09.2021 Interessa-me particularmente (o pragmatismo e) alguma fraqueza
I
Sofro de um irracional interesse particular por noites eleitorais (e os dias também). Bem sei que o meu guilty pleasure não é dos piores. Como não há eleições todos os anos, posso diminuir o meu arrependimento pelo tempo-perdido no banquete da democracia, e ainda aprender qualquer coisa sobre o esforço de raros pelo que nos é comum e o ufanismo delirante de muitos.
Sempre tive uma fraqueza pelo Livre, que como diz a M. F. Bonifácio é “uma espécie de partido unipessoal: vive da coluna tri-semanal de Rui Tavares no Público, o que, diga-se, é obra.” O Livre defende coisas simples e equilibradas como as bicicletas e redução do consumo de carne. Ataca a praga de abacateiros no Algarve e luta pela dignidade dos Professores (mensagem lá para casa). Pede um esfoço público pela habitação e apela ao Rendimento Básico Incondicional. Insurge-se contra os unicórnios digitais e demais oligarquias, enquanto dá silenciosamente uma mãozinha ao capitalismo, querendo apenas torná-lo um bocadinho mais verde e um quase-nada mais justo. Coisas pequeninas e pragmáticas de uma esquerda longe dos radicalismos revisionistas e das micro-agressões alucinadas de uma geração que ainda não teve tempo-útil para ler a civilização.
III
Por cá, no próximo
domingo as contas já estão feitas. O nosso Mayor “independente”, com
muitas aspas, tem lugar cativo (vitalício, como um virtuoso aristocrata,
se as regras o concedessem), o que me permite deixar cair o conveniente pragmatismo
em direcção alguma liberdade enfraquecida. No Sábado passado estive no Coreto da
Cordoaria a ouvir o Rui Tavares na apresentação da candidatura do Livre ao
Porto. Saí antes das palmas.
Não pertenço
ali, é só uma fraqueza que de quatro em quatro anos se me dá.
No resto do ano
sou apenas um resistente de
temperamento reaccionário a refilar baixinho contra os entusiasmos digitais
das classes médias e a perda de uma civilização baseada numa indefinível ideia
de Cultura como medida para todas as coisas, que a bem da verdade, nunca chegou a existir foras das bibliotecas universitárias
do Renascimento ao sec. XIX.
IV
Acho que era o
Henrique Monteiro que definia os votantes no Livre, qualquer coisa como: um
pequeno segmento da média burguesia urbana que se acha demasiado erudito para
votar no PS. Pois cá está: eis a minha fraqueza. Coisas da Classe X e
dos seus sucedâneos de que se falava no último interessa-me particularmente.
No dia em que este pequeno
partido alcançar, digamos, 2%, está na altura de abandonar o barco e procurar
dissidências noutros lugares menos (bem) frequentados.
V
E quanto às máscaras, tema que já cá faltava, pois claro! Sinto finalmente uma estranha e culpada liberdade nas minhas derivas por aí. De manhã, sou o único que ziguezagueia desmascarado a micro multidão que circula a Rotunda da Boavista. Ao fim do dia os níveis já se equilibram. Por cá a paranoia ainda se sobrepõe à Lei.
Como dizia esta semana o João Pereira Coutinho: “"Há momentos na vida de um país em que os vícios de um povo se tornam virtudes. Entre nós, não há maior vício do que a submissão mansa aos caprichos do poder: os portugueses são óptimos a obedecer e péssimos a reclamar.” Meu caro João, podemos ir mais longe não podemos? Há aí um provérbio popular bem piroso e generoso para connosco: (nisto das máscaras, só para começar) somos mais papistas que o papa.
VII
E no meio desta mansa
submissão, eis que o Livre me aparece como uma bolha de moderação, capaz de
convocar os mornos para o combate possível. Nestas coisas das ideologias
políticas, nada me satisfaz tanto como uma transviada leitura da célebre frase
do Gramsci: pela razão, sou pessimista, um cético que não acredita na
humanidade, mas pelo vontade… e lá votarei no Livre.
Fraquezas! Ou pode ser que resista! Um ou outro, como bem sabes, cá voltarei para o dizer. A isso não resisto mesmo!
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