01.10.2021 Interessa-me particularmente a simbologia


 



I

No tempo da pandemia…” assim se iniciava a frase de uma conversa de dois cidadãos mascarados que passaram agora à minha porta. No tempo da pandemia..., esse momento longínquo, lido em descontinuidade entre um passado nefasto e um presente cheio de mágicas possibilidades.  Hoje, vencida mais uma batalha em direcção à cura (leia-a fim das máscaras em certos-sítios), dirigi-me à porta dos correios e… não tive a coragem necessária ao desafio cívico. Imbuído de uma falta de ousadia em contra-corrente, pus a máscara e entrei!
Hoje, 90% dos transeuntes dos passeios usam máscara. Hoje, 100% dos visitantes a espaços-interiores usam máscara. “No tempo da pandemia…” usávamos máscaras. Se para os dois cidadãos mascarados que passaram hoje à minha porta, o tempo da pandemia já lá vai, então o que ficaram a significar as máscaras?

II

Para os portugueses (que votam), um político “independente significa tão somente aquele que lhe parece um supra-partidário, um destacado cidadão para além dessa corja de inimigos dos povos que apenas cumprem um único desígnio: roubar através dos impostos. Os portugueses (que votam) gostam de Carlos Moedas, mas também de Moreira, Isaltino, Santana, Ruas, como gostavam de Valentim, João Jardim, Cavaco ou Salazar.
Os portugueses (que votam) gostam dos que lhes pareçam (repete-se, pareçam) ligeiramente desobrigados de uma certa obediência central e que, insuflados de uma autárkeia própria (bem a propósito) os vão salvar nessa luta contra o mal: o Estado.
Na política -  como nos resto – o simbólico continua a ser a virtude mais aplaudida.

III

Mas os portugueses (que votam) parecem começar a desinteressar-se por uma certa União Nacional (leia-se PS) desenhada desde o Palacete de São Bento, capilarmente (como agora se usa) através das autarquias em direcção à mais recôndita e insignificante secretária, onde um frustrado burocrata carimba, digitalmente, as melhores formas de nos roubar. Mas só parecem! A União Nacional é o grande legado deste país que como alguém (a memória aos 37 já me quer pregar partidas) dizia, “gosta de eleger os seus próprios ditadores” e continua refilando contra eles, mascarados, pelos cafés

IV

Do “tempo da pandemia…”, ficaram as máscaras. Os portugueses (mesmo os que não votam) não gostam das leis, ou melhor: gostam que existam muitas, inúteis e abusivas leis para encontrarem as mais rebuscadas fórmulas para as contornar. Quando a União Nacional diz: tirem as máscaras! o português, no seu acto revolucionário (ou contra-revolucionário, depende da leitura), perpetua-as para além da ciência, em direcção a uma fé de ouvido. “Parece-me” - diz o português entrevistado no café pela manhã – “que com estas regras no Natal estamos outra vez confinados”. O mantra repetido ignorantemente pela fidelidade ao medo.


V

Nunca fui ao Lux Frágil. Já deve ter re-aberto. Ontem percorria as foto-reportagens das noites nos anos 80 e 90 dessa grande instituição. Estavam lá os meus mestres. Estava o Miguel Esteves Cardoso e o Manuel Graça Dias. Vi por lá o Julião Sarmento, o Cabrita Reis e o Eduardo Prato Coelho entre centenas de elaborados personagens que têm idade para serem meus pais.
A nostalgia por um tempo não vivido é o meu grande lamento. Desde os tempos em que se ensinava a vida (e a política) debaixo da stoa ateniense, às cúpulas de quinhentos. Desde os vagabundos passeios parisienses do sec XIX, a sentir o spleen sobre um mundo que também à época já la ia, às hipóteses infinitas da pós-revolução. A vida acabou nos anos 90.


VI

A minha vida começava nos anos 90: eis a melancolia.

Comentários

Postagens mais visitadas