30.10.2021 Interessa-me particularmente a disposição (e a estética) conservadora

 


I

Nos tempos do Independente era particularmente interessante ser-se conservador.
O conservadorismo, mais do que uma definição de ciência política, significava uma certa disposição para pertencer a uma estética boémia e culta, aristocrática, irónica e libertária, concentrada em duas freguesias lisboetas com livre-acesso às redações dos jornais. Mas no sítio de onde eu vinha, o conservadorismo era outra-coisa, ainda beata e bafienta, cheia das culpas da antiga-senhora.
Por isso, na minha adolescência, tornava-se particularmente interessante uma certa inclinação para a vanguarda informal do Bloco de Esquerda, que (apenas) apregoavam as mesmas causas-fracturantes que o Sérgio Sousa Pinto não conseguia institucionalizar no PS. Anos depois, quando se tornou cool acompanhar a dissidência do Rui Tavares e ser um dos um-porcento com preocupações verdes e europeias, segui a passagem.
Mas por estes dias, à beira de eleições, estou órfão. Esteticamente órfão.

II

E hoje, que oficialmente o CDS acabou, voltará a ser modernaço ser-se conservador?
É também por isso que o texto de hoje do Miguel Estes Cardoso é tão maravilhosamente desconcertante. O tipo que iluminou gerações com a metáfora do “banho do bebé” para caracterizar o conservadorismo, desafia-nos agora a pensar sobre a instabilidade.
“Para mais, a instabilidade não é a mesma coisa que a mudança. Até pode ser a incerteza volúvel e lábil que impede as mudanças profundas. Pode ser um divertimento. Pode ser uma distração. Pode ser um engano delicioso – e essencial.”

III

E sem o preparar, eis que hoje nos jornais só me entusiasmam os (antigos) conservadores. O Miguel e o Francisco Mendes da Silvia no Público, o Pedro Mexia no Expresso e o João Pereira Coutinho na Folha de São Paulo (ou estavas à espera que assinasse o Correio da Manhã, não?). Já cá não anda o Vasco? Anda, anda!

IV

Os conservadores do final do século passado andavam à sua procura no Oakeshott. Em On Being Conservative, Michael Oakeshott fala-nos da “disposição conservadora”, uma definição particularmente bem-esgalhada para que cada um de nós encontre a sua a sua própria forma de se “acomodar” ao conservadorismo. Mas o grande ensinamento de Oakeshott não é mais do que “a disposition to enjoy rather than to exploit”, que é como quem diz, aproveita, que isto não vai melhorar.
Com o passar dos anos e as desilusões a juntarem-se aos cepticismos, há algo de particularmente cómodo on being conservative.

V

Mas como nos diz o nosso João Pereira Coutinho: “Todos somos conservadores. Pelo menos, em relação ao que estimamos.” Ser um conservador filosófico ou um conservador político são ainda realidades distintas e há opções a tomar.
Até aqui, tenho optado por fazer de conta que tenho fé “que a condição humana é passível de ser salva pelo (bom) exemplo” e voto ao lado das utopias, ainda que bem ciente que: “Não pertenço ali, é só uma fraqueza que de quatro em quatro anos se me dá.”
E doravante? Nem sei.
Sinto-me órfão. Esteticamente órfão.

VI

“A instabilidade é excitante, estimula a criatividade, permite melhoramentos, leva à alegria, ao riso e ao entendimento.” É isso, caro Miguel, e é por isso que ando radiante com caos político!

VII

E com o meu próprio caos! Aproveita, que isto não vai melhorar.


Comentários

Postagens mais visitadas