02.12.2021 Interessa-me particularmente a paranoia (e a fronteira) XVIII
I
À mulher de
César - respeitável figura que costumo convocar amiúde para estas confissões -
não bastava ser, tinha de parecer. Hoje, à mulher de César, não basta ser ou
parecer, tem de demostrar publicamente a toda a hora, a sua casta inocência
nas lides da pureza higiénica. Pompeia, se decidir participar em qualquer
das fainas da cidade, deve primeiro fazer de tudo para que o outro reconheça a sua inocência.
II
Eis o novo conceito de fronteira: um homem sexagenário, resignado, com cara de “desculpem lá estar a fazer-vos passar por isto”, a cumprir as ordens de uma endémica paranoia.
III
Eis o novo
conceito de tribunal: um laboratório efémero, feito eterno, que ocupa uma
antiga tienda de souvenirs colada a uma farmácia. Culpado ou Inocente? Positivo
ou Negativo? Saudável ou Leproso? Cidadão ou Apátrida?
35 euros e
1hora depois: Inocente, Negativo, Saudável e Cidadão. Por agora. Daqui a 48 horas novo julgamento.
IV
Eis um novo
conceito de liberdade: ciclos de 48 horas (o tempo de um antigénio).
V
" Suíça
passou a exigir teste negativo e quarentena a todos os cidadãos que viajem de
Portugal, mesmo vacinados ou recuperados da covid-19, por causa da presença em
território português da variante Ómicron.”
“Fechar
fronteiras por variante é discriminação, dizem escritores africanos”
“Ómicron tem
mais de 30 mutações e pode estar bem mais disseminada. O que se sabe sobre a
nova variante?”
No alfabeto grego
há letras que não dão vontade de rir. Ómicron dá. Os media destacam as
coisas da pandemia com base na sonoridade das variantes.
Eis um novo conceito de alvoroço: o humor no alfabeto grego.
VI
Calpúrnia, Romana e não Grega gostava de exibir-se extravagantemente. Ao contrário de Pompeia, ser, dizia-lhe pouco. Calpúrnia aprendeu grego (e a rir) para que lhe reconheçam a inocência higiénica. Pouco mais pode Calpúrnia fazer em tempos de peste. Esperar era "tão" 2020.
VI
Eis um novo conceito para a vida: rir.
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