03.01.2022 Interessa-me particularmente a tinta

 


 
I

Há um silêncio de reclusão no ar. Quinze dias de teletrabalho para achatar a fila do aeroporto e depois logo se vê como param as modas da salubridade. Vamos aproveitar para pintar o quarto de banho de cima. Depois mando fotos. O Manuel Vicente dizia que a tinta era o mármore dos pobres. Ainda não escolhemos se o cinzento foge para o verde ou para o azul. Há dois anos que andamos a pintar um apartamento! Em Bruxelas os amantes de cultura, activos ou passivos (vulgo, espectadores) saíram à rua a estrebuchar contra aquilo que já se sabe. Por aqui, os pacientes acham-se espectadores modernos quando subscrevem plataformas no telemóvel. Na Bélgica o governo (consta que já têm) acudiu-lhes. Eu tentei fazer a minha parte. Tive 7 likes e dois comentários. Nada mau!

II

CB Hoyo, um artista cubano que, vá-se-lá saber porquê, só descobri há dois dias, diz coisas como “noboby gives a fuck about what you don´t give a fuck about”, que se eu fosse a levar a sério acabava instantaneamente com esta coluna no espaço etéreo, que sonha com o tempo do papel impresso e dos caderninhos de endereços. Mas CB Hoyo vai também às pérolas da mediocridade do comentário artístico, aplicando-lhe um pequeno “also”. Sim, tu não só podias ter feito aquilo, mas também podias ter feito isto, que sendo pior que aquilo, e ainda mais fácil de fazer, ainda assim, não fizeste. Duplamente humilhado! Mas o último post (sim, ser hoje artista, é “also” ser instagrammer) do CB Hoyo esperança-nos “If today is not your fucking day, remember a year has 365 days”. Que é como quem dizia n´outras artes, “ainda o apanhamos!”

III

Já começaram os debates, os duetos e os duelos. Ando radiante! Mas acho que prefiro os duelos: “combate premeditado entre dois adversários com armas iguais.” Gosto da ideia da equivalência no armamento. O combate político pode coincidir nas regras, mas não nas armas: daí ser um jogo e não uma batalha. Desta vez assumi um lado. Gosto de perder, mas acho que vou ganhar. O Rui Tavares vai ser eleito. No dueto de ontem percebeu-se que merece estar na assembleia. Estou impaciente por vê-lo nos duelos: as armas não são iguais, só as regras. Eis o interesse do debate: (1) mostrar as armas, (2) convencer a audiência que o revolver têm balas mais ágeis que a bazuca, (3) manter o bluff ou não disparar.

IV

O Gonçalo M. Tavares desenhou esta semana um horóscopo bestial. Ia citá-lo, mas os sites do Expresso foram hackerizados com direito a pedido de resgate. Modernices. Combate desigual, com armamento incompatível: o alfabeto contra o código binário. E chama-se outra-vez o CB Hoyo “This will probably offend someone”.

V
Uma medida para o confinamento: pinturas. Um, o quarto de hóspedes, dois, o quarto de banho de serviço, três, o quarto de banho da suite. Falta a cozinha!
Confinamento da Cultura e do Lazer: se fosse Belga ia à manifestação, como não sou, vejo os debates. A tinta é o mármores dos pobres; a política é a tinta da classe média; a cultura é…“this will probably offend someone”.

V

Bom Ano!



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