18.01.2022 Interessa-me particularmente as políticas e as poéticas III

 


 
I

Um país em desistência, pobre e doente: eis um retrato. Findado ontem o espectáculo dos debates, o entretenimento político ganha agora outras romagens, com os cenários vivos de rua a substituírem os enfadonhos efeitos digitais sob pano verde. Nas últimas semanas falou-se da nossa pobreza perpétua e da nossa doença sistémica.
Ordenados mínimos, subsídios, pensões, desemprego, sistemas de saúde, hospitais, taxas, descontos, casas frias, enfim, uma letárgica ladainha desavinda com o futuro. Sobre o amanhã só dois partidos ousaram ambicionar: entre o LIVRE e a Iniciativa Liberal, há horizontes para todos os gostos.

II

Mas até temos alguma sorte. O PS e o PSD, os dois partidos a discutir a administração curta dos dias do nossa pobre e doente terreno, são duas faces da social democracia que acreditam de igual forma no estado social e na economia de mercado, no advento do crescimento económico, na carta dos direitos humanos, na onu e na nato. Como base nem estamos mal. A dúvida é escolher o plug-in de liberdade mais indicado a acoplar à mediana irrelevância: a liberdade da IL enquanto ponto de partida ou a liberdade do LIVRE enquanto ponto de chegada.
Eis a dúvida: deve a liberdade ser um início ou um fim? Ambos, talvez fosse uma boa resposta, ainda que feita de inconciliáveis. Há que escolher! Pelo menos esta dúvida já não tenho.

III

De cultura não se falou, pouco de alterações climáticas, quase nada de educação, nem sequer estranhamente do malogrado PRR, sigla repetida ao esgotamento, vazia na sua caracterização de salvação dos dias. Também não se falou de felicidade, de ambição, de poesia, de loucura, de comunidade, de abraço, de fraternidade. Falou-se tão só da nossa pobreza perpétua e da nossa doença sistémica.

IV

Faltam doze dias. Ainda não sabemos se um cidadão empestado poderá votar na fila dos párias ou no horário dos proscritos. Tudo dependerá da quantidade. Avança-se com 200 a 500mil enclausurados pela peste lá para o final do mês, que, noves fora zero, dará uns 150mil votantes: qual é o número mágico que nos faz ignorar um problema?
Qualquer um, desde que se torne um número habitual!

V

O silencio é o som da nova-normalidade. Sozinhos e mascarados, os cidadãos já não caminham a pares, a trios, a grupos. Na rua não se ouve conversar, rir e discutir. O som regressou a casa.  

VI

Duas semanas de debates e salvaram-se dois partidos particularmente interessados em falar do futuro. Nada mau! Duas visões incompatíveis, mas necessárias, para se justificarem uma à outra. De um lado, o LIVRE e o seu socialismo actualizado às previsíveis mutações sociais, económicas ecológicas, capaz de de ir modelando às urgências, enquanto procura ver em frente; do outro a IL e o seu liberalismo freestyle, ideologicamente cego, mas eventualmente capaz de se moldar às idiossincrasias do terreno que pisa enquanto olha adiante. Dia 30 não haverá nada mais particularmente interessante para saber do que quantos deputados cabe em sorte a cada um. Depois, é fazer as contas e perceber qual é o número mágico que nos faz enfrentar o problema! Que problema? Começarmos a falar do futuro.

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