31.01.2022 Interessa-me particularmente as políticas e as poéticas IV

 



I

A grande fraqueza da democracia, como desde cedo nos alertava Tocqueville, é o triunfo da mediocridade. Só por engano, de vez em quando, a democracia nos serve os seus melhores. A aristocracia - que os Gregos nos quiseram legar - enquanto governo-dos-melhores, revelou-se trágica: não só não sabemos encontrar os melhores, como quando, afortunadamente, os encontramos, estes rapidamente se tornam os piores. Mal por mal, ficámos com uma versão simplificada da democracia. Virtuosamente desenhada para evitar-nos de longas tiranias de um homem-só, a nossa democracia representativa tem no entanto um grande efeito secundário: obrigar-nos a engolir sapos.

II

Ontem, após um primeiro momento de alívio (Rio, por fim, desaparecerá!), seguiu-se uma longa e penosa jornada de derrota atrás de derrota: o reconhecimento de um país desistido, pobre e doente, onde uma parte se agarra à segurança de um Estado Social que se confunde com um Partido-único e outra parte sorrateiramente se vai orgulhando de se assumir reaccionária, egoísta, boçal e indiferente.
Ao final da noite, Rui Tavares (por ser esperado) foi para mim uma meia vitória, já pouco festejada. Jorge Pinto, o meu deputado pelo Porto, não foi eleito: "há uma certa glória em ser incompreendido", que é como quem diz: gosto de apostar mal!

III

E os colectivistas (PC e BE) tiveram uma sangria. Desapareceram os antigos conservadores (CDS) e os antigos verdes (PEV). Quase se sumiam os animalistas (PAN). João Oliveira, Bebiana Cunha, António Filipe e José Manuel Pureza, entre outros virtuosos, saem da Assembleia. Quem nos sobra neste nosso Parlamento?

IV

A democracia é o triunfo das maiorias. As maiorias, soube-se ontem, por cá até gostam de política: a abstenção baixou e com ela o nosso espertalhote oportunista trouxe consigo onze estarolas e o Pacheco de Amorim para nos divertir e deleitar.
A democracia é o triunfo das maiorias e da mediocridade! “Ao chega chegam, para além dos honrados descontentes, os gatos mais vadios: xenófobos, oportunistas, racistas, arrivistas, machistas, castradores, misóginos, nacionalistas, vários empresários por conta própria, os polícias com mais cara-de-poucos-amigos, gente pouco instruída, gente muito instruída (mas nos livros errados), mulheres submissas, minorias enganadas, homens submissos, maiorias sugestionadas, entre outras estirpes de in-sucesso da nossa praça. Quando a moda do chega acabar, os gatos vadios por cá continuarão (mais ou menos descontentes) nas frases-feitas que ouvimos nos táxis, nos restaurantes Michelin e nas Universidades.”

V

Agora, porque já não têm vergonha de se esconder nas cavernas abafadas da direita clássica, já sabemos quantos são: 385543 – trezentos e oitenta e cinco mil, quinhentos e quarenta e três! Fora o resto!
Já não somos um país de sacristia,  bafientos costumes e causas perdidas nos desvios do progresso. Agora, somos piores que isso! Já é outra-coisa. Aguardamos que a fénix desça sobre o CDS.

VI

E agora, que acabou a “política”, podemos voltar a falar da peste? É que ainda temos de enfiar zaragatoas por tudo e por nada, encarceramos saudáveis, promovemos condicionamentos de viagem, adjudicamos medos, paranoias e incongruências, há um desalento geral e uma cidade esvaziada. Até já tenho saudades dos pirosos grupinhos de despedidas-de-solteiro que pontuavam as noites de fim de semana com os seus fantasiosos disfarces e a sua indisfarçável líbido. Essa endemia é para quando?

VII

Quanto ao Rui Tavares? Temos tempo para ir falando disso. A nossa democracia escolheu a estabilidade.  São quatro anos. Parece que temos tempo! E quatro anos depois, ainda iremos a tempo?

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