08.03.2022 Interessa-me particularmente a oportunidade


 



I

Ambas as imagens são encenadas. Ou melhor, foram pensadas para comunicar. E ainda bem! Zelensky entre os seus, a resistir corajosamente (enquanto houver comida), encarna virtudes que achávamos perdidas num outro tempo que pensávamos já não ser o nosso. Macron na sua sala dourada no Eliseu, rodeado de toda a papelada da mais rebuscada intel sobre o inimigo, está só, estrategicamente perdido no seu posto de putativo líder do Ocidente.
Enquanto Macron quer apanhar a oportunidade, Zelensky foi apanhado pela oportunidade: eis uma diferença que faz um líder.

II

Zelensky é um comunicador. Sabe onde estar, o que vestir, o que dizer, que semblante envergar. Se isso o vai fazer ganhar a guerra? Não. Pelo menos esta, não! Mas ganhará outras guerras, em tempos próximos, sempre que precisarmos de voltar a desenterrar virtudes que não batem certo com uma certa ideia de progresso civilizacional. Quanto a Macron, quando sair da sua pose de estadista melancólico, continuará perdido, incapaz de guiar o Ocidente quando ele mais precisa.
Mas afinal, só a distância temporal é capaz de beatificar as figuras histórias. Talvez Macron ainda consiga apanhar a oportunidade e revelar talentos churchellianos: um desejo. Talvez a oportunidade ainda venha a ser demasiado intensa com Zelensky e tenhamos de engolir todo o nosso culto: um receio.

III

A encenação faz parte da comunicação. Ninguém é tão formidavelmente natural que não precise de se maquilhar, camuflar ou mascarar. Muito menos em tempos de guerra. Mas a Biden, Boris, Von der Leyen ou Scholz não há disfarce que os possa transmutar. Resta Macron. Mas até agora, o que o jovem filósofo feito menino-bonito da alta-finança conseguiu, foi mostrar-se sentado à longa mesa de Putin, enquanto lhe perguntava pelos seus cães. É pouco para a guerra. Mas talvez seja o suficiente para ser re-eleito para o mês que vem. Em tempos de guerra é com a estabilidade que se sonha. E para o caso, ainda bem!

IV

Macron irá certamente ganhar as eleições em França. Mas Le Pen e principalmente Zemmour também. A inesperada, mas admirável solidariedade e identificação que a Europa tem mostrado com a Ucrânia e os seus refugiados tem sido inversamente proporcional à falta de empatia que nutrimos pelas crianças acantonadas em arame farpado nos limites da Polónia em Novembro do ano passado, ou pelos nossos semelhantes à deriva em botes de borracha durante a última década. Talvez possamos sair da guerra um pouco melhores. Mas já dizíamos o mesmo nos tempos da peste.  Macron ficará no Eliseu, mas (as ideias de) Le Pen e Zemmour estão por toda a Europa.

V

Zelensky ainda está vivo! Uma estranha ideia de Europa também.

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