06.04.2022 Interessa-me particularmente o tempo
“Podemos sentir-nos deslocados de uma época para outra, como se fôssemos embaixadores de um outro século junto deste em que vivemos”. Interessa-me particularmente esta ideia de Luís Castro Mendes: somos uma espécie de representantes oficiais de um outro tempo, mandatados para o cuidar, partilhar, ou simplesmente entregar às gerações vindouras como um legado imperfeito e incompleto que precisa de quem o continue. Castro Mendes tem 71, eu tenho ainda 37.
II
Há um fosso geracional entre nós, grito aos meus alunos enquanto lamento em desistência. As referências, os modelos, as ambições parecem ser já outras. Talvez mudem! Têm mudado sempre com a idade. Mas o tempo que eu lhes represento é outro. Tenho ainda 37, mas sou já um embaixador de um outro século. E é só isso um Professor, alguém que traz o tempo com tempo e o introduz na efemeridade dos dias da aprendizagem fácil.
Mas nisso tive eu sorte: no meio dos projectos, dos produtos, das embalagens e das logo-marcas, representadas e comunicadas em folhas a4 avulsas, tenho tempo para falar com eles do tempo. Do tempo deles, do meu e do fosso que todos desejávamos poder esbater através de uma qualquer ideia de conhecimento intemporal.
Zelensky ainda vive. Mas Mariupol já é Alepo e Bucha tornou-se num novo sinónimo para barbárie. Há que actualizar os dicionários. Às enciclopédias não vale a pena voltar. Os embaixadores de um outro tempo falharam na missiva: a ideia era evoluir e não repetir.
Releio algures nas Cidade e as Serras: “O Homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado.” Um mantra particularmente errado que continua a ser ensinado nas Escolas. Mas ainda não encontrámos nada melhor para legar às gerações vindouras. É com isto que queremos ir enchendo o nosso fosso.
V
Deleuze diz que a filosofia serve para afligir, contou-me o Gonçalo M. Tavares num livro. Angustiar, apoquentar e atormentar são os primeiros três sinónimos no dicionário. Temos de deixar de ensinar às crianças a civilização ou a felicidade. Há que escolher! Aquele que é verdadeiramente feliz e imortal não é perturbável, nem perturba os outros, diz o Epicuro: não se atormenta, nem apoquenta os que aí vêm.
Os embaixadores de um outro século têm de parar de mentir às criancinhas. Isto que lhes ensinamos, de pouco lhes vai servir para bem continuarem o tempo. Mas, a verdade é que: também não temos nada melhor para lhes ensinar!
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