19.05.2022 Interessa-me particularmente a parcimónia



I

Aprende-se na história, que quando colocamos na mesma centrifugadora o dinheiro, o poder e a arquitectura, normalmente andamos mais perto de conseguir chegar a um grau muito satisfatório de mestria espacial. Noutras vezes, ensina-nos a história que é afinal uma certa parcimónia o ingrediente secreto para a genialidade. Mas apesar de tudo, o cidadão-médio confia mais na primeira hipótese e ainda bem, para todos. A recém-inaugurada filial da Google no distinto Vale do Silício, é daqueles raros casos em que a carência podia ter sido uma bênção. Os ilustres Thomas Heatherwick e Bjarke Ingels, apurados pela Google da nata da nata da arquitectura contemporânea, acharam que para desenhar o campus do presente, a referência ideal era a tenda de campanha e a Feira Internacional de Moda e Calçado. Well done gentlemen! Well done!

II

Bem sabemos, que longe vão os tempos do arquitecto-estrela e dos seus ícones - a arquitectura anda ao sabor das modas, entre outras políticas de não-agressão, envolvida por exemplo com a mediática sustentabilidade (um glitter-show de 50mil painéis solares até decoram a tenda) – mas meus caros arquitectos, o caderno de encargos só vos permitiu isto? Ou gostaram mesmo do resultado final? Claro que como sempre, podemos culpar o cliente, mas no caso, convém deixá-lo em paz, para o bem de todos!

III

Zelensky ainda vive! No início da guerra achei particularmente interessante usar esta expressão como cronómetro até que a mãe Rússia tomasse conta dos seus negócios. De nava serviu a apressada releitura da Arte da Guerra que todos fizemos nas primeiras horas em buscar da fórmula repetível. Ou secalhar até serviu: “A arte da guerra baseia-se no engano” e até agora, temos andado todos enganados! A ser verdade, já perderemos a guerra!

IV

Há um restaurante aqui perto onde ia esporadicamente almoçar antes das duas últimas guerras. Um prato de comida bem abonado, com uma generosa salada em pires de apoio e café, quatro euros e meio. Uma pandemia e uma invasão imperial depois, oito euros e menor dosagem sobre o vasilhame. A inflação é afinal, o tal de novo-normal. Esta sexta-feira a função pública revolta-se. Pedem mais 90 euros. Mas estão a pedir ao patrão errado. Quando custa mesmo um painel solar?

V

Anos e anos depois, comecei finalmente a ver o Years and Years (2019). Aos poucos, lá me vou habituando a consumir séries. Mas talvez esta série, uma pandemia e uma guerra depois, já adquira outra previsibilidade. Ainda assim, é agradável acompanhar o dia-a-dia de uma família média pelos nossos dias. Particularmente interessante na mesma temática é New Order (2020) de Michel Franco que nos mostra, com a velocidade do cinema (o quanto se perde nas séries!) como podemos dominar o caos: agasalha-lo com uma grande tenda!

VI

Aprende-se na história, que quando colocamos na mesma centrifugadora o dinheiro, o poder e arquitectura, normalmente andamos mais perto de conseguir chegar a um grau muito satisfatório de mestria espacial. Ou não! Mas quando tiramos a arquitectura da lista de ingredientes  (ou outra qualquer disciplina derivada da poesia), vamos normalmente em sentido contrário. O dinheiro e o poder: eis algo que precisa sempre de boa companhia. Pena que a Google não soube escolher. Perde o cidadão-médio, ganhamos nós! Viva a arquitectura, a outra, a barata! Porque como se diz por aí, o barato sai caro. Mas quando o caro sai barato é sempre melhor e isso, nós, por aqui, sabemos fazer bem.



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