16.06.2022 Interessa-me particularmente alguma ausência
Bem-sei, caro MEC
que tínhamos combinado escrever todos os dias. Quer dizer, alguns dias
por semana! Depois alguns dias por mês. Por fim deixámo-nos disso, não foi? Caro
Miguel, fazendo fé nos teus ensinamentos, estou em dívida para com a escrita, mas
estou principalmente em dívida para contigo, que continuas diariamente e penitentemente,
a testemunhar-nos que – e ao contrário do que diz o outro, o nosso amigo comum –
viver todos os dias, afinal, não cansa.
Caro Miguel, eu tenho
uma desculpa! Nos últimos meses, cento e cinquenta adolescentes precisaram de uma
horinha e meia semanal de liberdade criativa (e da outra, sem
sufixos). Se a aproveitaram, já é outro assunto. Mas tentou-se, caro Miguel
Esteves Cardoso, tentou-se!
Durante uns
meses fui (fui não), estive Professor!
II
Pois caro Miguel, não que a coisa me tivesse ocupado horrores de tempo em viagens, horas mortas de espera, planificações infinitas ou burocracias perpétuas. Não, caro MEC, calhou-me em sorte uma Escola que vejo da janela de casa, num horário compatível com as minhas outras-vidas e uma disciplina cujo plano oficial (que o deve ter) pode graciosamente ser corrompido de acordo com os devaneios criativos do dia. Caro Miguel, outra sorte como esta não me calhará em sorte!
III
Caro MEC, da
parte que me toca, não queria continuar de fora das corriqueiras conversas familiares.
A minha Mãe está
quase a libertar-se da sua profissão de uma vida: Professora na Escola Pública. Todos as
minhas tias também por lá andam ou andaram. Também a Sílvia, numa apensa
realidade, dedica-se aos ensinamentos da Estética da Fotografia e demais
técnicas analógicas e digitais. Quanto ao meu Pai, andou episodicamente por lá,
numa altura que - tal como hoje - o Professor era um bem escasso e quem possuía
meia-dúzia de horas livres na sua outra-vida, um curso superior com algum
gabarito e um certo sentido de missão, podia preencher a sua cota de
serviços ao Estado na digníssima Escola Pública. Calhou-me em sorte seguir os passos
avulsos deste último. Veremos se os volto a repetir!
IV
É que, caro Miguel, para conservadores como nós (cada um conserva o que quer), isto da Escola Pública já não é o que era! Mas deixemos essas dedicadas reflexões para outros escritos, está bem? É que resolver os problemas da Escola Pública não é tarefa simplista que se resolva com um gesto planeado: é antes a soma de respostas cirúrgicas próprias de quem navega à vista e usa o improviso enquanto método. Bem! A bem dizer, se assim é, então caro Miguel, mandemos vir o dinheiro que (nós) os Professores tratam do resto. Quem sabe se não é só isso que falta? Um dia, quando Portugal for um país rico saberemos. Até lá, podemos ir culpando a falta de verba, gabando-nos das nossas excelsas qualidades precocemente desaproveitadas. Eis o nosso luxo nacional, a nossa eterna pobreza que nos permite ir mantendo alguma esperançosa soberba: Portugal é um pais pobre, se fôssemos ricos, ai se fôssemos ricos…
V
Meu caro MEC,
agora que já sabes o motivo da minha ausência, agradeço que atenues a minha
pena. Não vou ganhar ao tempo perdido, escrevendo sofregamente. Não! Vou
apenas tentar voltar ao tempo em que não tinha uma pequena audiência de cento e
cinquenta adolescentes que desconheciam as desventuras da liberdade criativa.
Caro Miguel,
acabou ontem, e acho que já estou com saudades deles!
Bem sei que foi
sorte de principiante, mas o prazer de ter cumprido o meu serviço na Escola Pública
já cá canta.
Se continuar, terei
muito tempo para me desencantar!


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