01.02.2024 Interessa-me particularmente uma visita-guiada à vida-boa
Quando nomeada porte-parole
do BE, Mariana trouxe consigo o lema da “vida boa”. Numa alusão a uma popular
peça fetiche das esquerdas, no Público a insuspeita Carmo Afonso noticiava “Mariana
Mortágua e a beleza de lutar por uma vida boa”. A “boa-vida” é
também o título de um iniciático livro de arquitectura. De Iñaki Abalos, subtitulava-se: "visita guiada às casas da modernidade". A boa-vida ou a vida-boa é um conceito
moderno em tempos de pós-modernidade. Daí a necessidade do Bloco se actualizar
e trocar a sua vida-boa por “fazer o que nunca foi feito”. É um bom slogan. Tem
aquela vigente qualidade de ser catchy e se associar a uma popular letra
de Pedro Abrunhosa de 2010.
Vamos “Fazer
o que ainda não foi feito” é, no entanto, ideologicamente oposto a “fazer
o que nunca foi feito”. O primeiro poderia ser um slogan do Livre, perfeitamente
alinhado com o mantra de Rui Tavares: “o país que temos não é inimigo do
país que queremos” é uma leitura mais pragmática do que utópica (precisamente
ao contrário dos pergaminhos do Livre) que quer propriamente dizer que já temos
as bases, falta-nos (apenas) a vida-boa. Na proposta do Bloco, o que “nunca” foi feito
também nunca poderá partir do que já está feito. A procura do Bloco pela
vida-boa precisa de um passo atrás - ou ao lado. A do Livre não.
II
A coisa já me tinha arrefecido quando, na CMTV, descobre-se que o pai da grávida é afinal traficante. Sou fascinado pelo assunto da Grávida da Murtosa. O trabalho dos professores de filosofia fica facilitado pelo caso prático: a hyper-realidade de Baudrillard explicada (construída) em tempo real aos nossos olhos! Há uns dias descobriram um corpo, mas graças-a-deus era de outra pessoa. O desfecho é tudo o que não precisamos. “Nada (nem mesmo Deus) desaparece por chegar ao fim… as coisas desaparecem através de proliferação ou contaminação”. Pode ser que o delito do pai esteja afinal associado a outros crimes mais futebolisticamente up to date e o assunto possa entrar num baudrillariano modo de dispersão fractal.
III
Por sua vez, o
Volt, promove-se pela “Paixão pelo bom senso”. Se a “vida-boa”
está carregada de uma imponderável ambiguidade, o “bom-senso” transporta uma
indecifrável disposição conservadora. Bastará o bom-senso para nos levar à vida-boa?
Também creio que sim. Daí que o bom-senso está mais próximo da fé do que de um burocrático
plano step-by-step. Como governas a tua boa-vida? Pelo bom-senso! E um país?
IV
Depois da
falhada desconexa trilogia “Verde. Justo. Juntos.”, eis que o Livre nos
apresenta como slogan e programa de governo um “Contracto com o Futuro”. O
Livre, da moderna boa-vida é (ainda) um partido progressista em tempos descrentes,
de fim-da-história. Não só fala do futuro, como quer deixá-lo contratualizado por
escrito, não vá o leitor considerar uma ilusória demagogia, afinal não
praticada. A divisa utópica na mensagem contrasta com o utilitarismo do
dia-a-dia parlamentar. E esse afinal continua a ser um dos erros das esquerdas:
promover a ideologia, enquanto praticam o pragmatismo.
Talvez fosse mais
viável uma inversão emblemática (para melhor eleger): promover o pragmatismo, enquanto
praticam a utopia!
V
É também o papel
do partido político fazer-nos, como Abalos, uma visita-guiada pelas suas propostas,
mais ou menos praticáveis, derivadas do bom-senso ou da ideologia. Tarefa inglória!
Interessa-me particularmente pensar o partido como um guia turístico que nos
encaminha pelos ícones obrigatórios para onde olhar, mas nos permite
questionar, abrandar a marcha, e no fim, preferir continuar na esplanada,
abdicando de mais um aborrecido museu. As casas que Iñaki Abalos nos mostrava
eram as da modernidade. Também da modernidade ainda nos falam os partidos
políticos do caso português. Trump é o político da pós-modernidade! E a Grávida da Murtosa o seu assunto.
VI
Comentar slogans partidários é ainda uma tarefa moderna, de quem, como os partidos em questão, desconhece como lidar com os meios pós-modernos. O BE está a tentar um tempo-de-antena ao estilo caricatura-populista. Também não me parece que deva ser por aí! Mal por mal, continuemos na visita guiada ao que seria uma, possível, e não utópica, vida-boa!


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