14.03.2024 Interessa-me particularmente o cânone
I
E para a
política, devemos sempre enviar o melhor dos melhores? Para começar a
responder, socorremo-nos de uma descontextualização da afamada expressão do
nosso Presidente. Quem pode ser este melhor dos melhores? Talvez possa
ser alguém que, tendo nascido num contexto sócio-cultural desfavorável, numa baixinha
classe média, não urbana, tenha conseguido, a pulso do seu esforço, vencer na
escola pública, licenciar-se com distinção, doutorar-se com mérito, leccionar
com paixão, escrever com categoria, apresentar-se regularmente no comentariado
televisivo onde respalda a sua inteligência na resposta-rápida e na astúcia
argumentativa? Sim, parece-nos que este possa ser um dos cânones para início de
conversa. Então, porque é que o André teve 18% (ou 49% em São Vicente da Ventosa,
Elvas) e o Rui 3% (ou 8% em Cedofeita, Porto)?
II
Depois de uma inicial
fase “aristocrática” da democracia, onde aparentemente enviávamos aqueles que considerávamos
os nossos melhores para governar, no período tardo-moderno da governação
aprendemos que um político é apenas one-of-us, um cidadão-comum com uma
especial vontade de ocupar cargos que nos aborrecem. É por isso que o Luís e o
Pedro Nuno tiveram ambos 28%, e são meramente entendidos como os rostos mais jeitosos-para-o-cargo das suas equipas.
Na volta,
esquecemos de nos dizer uns aos outros que tínhamos de actualizar o cânone. A
democracia “aristocrática” tornou-se “comum”. É que os 18% que votaram no André,
ainda procuraram votar naquele que era o seu melhor.
III
Mas esta não é
uma elegia ao elitismo. Pelo contrário. Os 3% que votaram no Rui, na Isabel, no Jorge e no Paulo, não votaram
nos seus melhores, mas simplesmente num dos seus com mais disposição para
a maçadora tarefa de aturar 48 dos que pontuam o canto extremo-direito do desenho do
Rui Pimentel, que ilustra este texteco. Esta é sim, um elogio à banalidade do
cargo político, como uma simples emanação da sociedade civil, ocupada apenas por
quem se predispõe a tal agastamento.
Acontece que, no
caso português como noutros, parecer que se é o melhor dos melhores é
uma tarefa que, exigindo alguma mestria na ilusão, é perfeitamente alcançável:
veja-se o hábil caso do (Marcelo) André, personagem que apesar de facilmente desmontável
pelos verdadeiros melhores, continua colocado nos píncaros por um cada vez maior número dos nossos
(e não necessariamente dos nossos piores).
IV
E daqui até às
próximas eleições (e o tempo pode ser curto) temos de conseguir explicar aos
nossos concidadãos que o cânone para a escolha dos governantes já há muito que
mudou. Mas temos ainda de explicar que (e esta parece que está a ser uma tarefa especialmente complicada!) votar no partido do André não é votar no
André – o que já nos parece suficientemente mau, mas ainda assim divertido -
mas em 48 (and counting) que não só, como o André, não são os nossos melhores,
mas podem inclusivamente ser os nossos piores: algo que já não diverte
tanto, apesar de originar cartoons particularmente interessantes.
V
O cânone que
ajudou a eleger Marcelo - o criador do conceito de melhor dos melhores - como
Presidente, é o mesmo que se arrisca a continuar a elevar o André e os seus
melhores.
Temos mesmo de
falar sobre a mudança de cânone: o que é que queremos mesmo dos políticos? Não
era representarem-nos naquela coisa da procura pela vida-boa?


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