12.11.2021 Interessa-me particularmente a decadência (ou a tragédia debaixo da cama)

 



I

Afinal, na conclusão do Decadence do Onfray já lá estava tudo. Depois de uns dias de luto higiénico, lá repeguei no Decadência, O Declínio do Ocidente que aguardava debaixo da cama por novas investidas. Debaixo da cama! Não na mesa de cabeceira ou de volta à estante, naquela segunda linhas dos envergonhados e das lombadas folclóricas. Foi debaixo da cama que o deixei depois de investigar as minhas suspeitas: Michel Onfray passou-se para o outrolado. Mas até faz algum sentido: é costume haver monstros e outras alegorias debaixo das camas das crianças.

II

Na conclusão do Decadence, Onfray usa aquela técnica petersoniana de dizer, acusar, alertar sem parecer que está a tomar partido. Mas está. O Decadence é uma ode ao fim do Ocidente judaico-cristão, um Ocidente de guerra, de culpa e de vício que dá agora lugar a um Islão igualmente de guerra, de culpa e de vício. Onfray não se diz optimista ou pessimista, mas sim trágico, na neutralidade possível de um realismo desapaixonado. Trágico porque afinal, Onfray, ao contrário de Foucault e da intelligentsia de Saint-Germain-des-Prés (que Onfray tanto odeia), prefere de longe, a guerra, a culpa e o vício do seu Ocidente judaico-cristão.
Os ateus também tomam partido nas coisas do céu.
E onde encontra Onfray eco da sua tragédia? Com tanto sítio onde procurar, ficou-se por Zemmour.

III

Mas o Ocidente decai porque o Humano decai porque o Ocidente decai. Um círculo contínuo de co-relação. Na conclusão do Decadence, Onfray lança a sua escada trágica ao transumanismo e fala na importância do Livro. Toda a religião tem o seu livro. Qual é o livro do Transumanismo?  São dois: O 1984 e o Admirável Mundo Novo, pois claro! Precisamente os mesmos dos livros da peste - ou pelo menos no caso internacional, pois por cá ainda temos o Ensaio sobre a Cegueira para embelezar a tragédia.

IV

A Decadência de Onfray é a morte de Deus, o niilismo e o pós-humano, é a perda do outro, do comum, do biológico. A Decadência de Onfray é um transumanismo de que pouco ainda se fala. Mas a Decadência de Onfray é também a vaga de migrantes que irão assolar o seu Ocidente em fuga dos horrores provocados pelas alterações climáticas. Duas tragédias com uma enorme questão: É necessário tomar partido?

V

Mas mesmo quem, em mágica habilidade literária, consegue (pelo menos) parecer que não toma partido está, pois claro, a fazê-lo. Ou é ainda assim que estes tempos do maniqueísmo nos fazem querer: Mateus 12:30 está sempre actual.

VI

E nestes tempos maniqueístas, em que me interessa particularmente participar, preparo-me para escolher um dos lados ou manter-me numa trágica neutralidade. Não fossem estes textos meros diários ensaísticos e confessionais e lá me teria de explicar. Assim, graças adeus (em decadência), deixo para mim. Mas face à tragicidade do postulado neutral, como bom conservador que sou, só me resta aderir à mudança, para que os transumanismos e as alterações climáticas não tragam o monstro debaixo da cama: a revolução.

VII

Caro Onfray, ainda vais a tempo de voltar a mudar de lado. Queres vir?
Hoje, vou-te colocar na prateleira ao lado dos teus outros. Na minha biblioteca não há maniqueísmos. Todos têm lugar nesta tragédia.

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