13.09.2023 Interessa-me particularmente a escrítica e o pop


 



I
Caro MEC: se eu, interrompendo este tão demorado quanto descabido intervalo, voltasse para VII dos meus habituais momentos desconexos de partilha, partilhava o quê? A última vez que aqui vim prometi-te continuidade. Se cumpri? Por outras vias, em outros poisos, noutros rigores e novas responsabilidades, posso talvez dizer: talvez. Mas não posso, caro Miguel, garantir que cumpri o nosso tão ficcional quanto unidireccional pacto para escrever tanto quanto possível (todos os dias cansa!). Mas caro Miguel, neste nosso registo de intimidade confesso-te: não me apeteceu – e tanto sabemos nós, disto do peso das vontades (e das vaidades). Se a dia 16.06.2022 desculpava a minha ausência com honras de estado (que é como quem diz, serviço público ao ensino), hoje pouco me resta senão confirmar uma traição: troquei a crónica, a crítica e o diário, pelo ensaio académico sobre as coisas da arquitectura e da cidade.

II
A Sílvia está a ler o teu Escrítica Pop. Os prefácios devem sempre ler-se. É o mínimo que o leitor pode fazer”. Fiquei-me pelo prefácio. Como dizia o outro, a música “não é a minha forma de expressão”. Mas é pena, ia bem com a escrítica de arquitectura. Não me estou a ver a engendrar comparações entre o Levitating da Dua Lipa e a Casa de Coimbra do Brandão Costa, mas tudo vai de mastigar a técnica. Cada um teve o pop que nos calhou em sorte!
Já para a escritica de cidade, o pop é mais jeitoso. Não fosse a cidade, ainda o lugar pop por conveniência das erudições.


III
Posso-me entreter um bocadinho disse-me há pouco uma cliente ao entrar. Comprou bastante, entretendo-me os rendimentos. Estou a dar as últimas neste meu posto de comando à beira da rua. Nos próximos três anos vou encarnar naqueles sonhos imberbes de noite de copos: “ah, se alguém me pagasse para ler e escrever!” (agora chama-se pomposamente, investigação).
Pois, caro MEC, mas se bem me conheço, vou andar três anos a lamentar-me que afinal, o que queria mesmo era dar aulas de arquitectura e cidades, mas que as outras exclusividades não mo permitem! “Adorei a sua abordagem (pop)” respondi à cliente. O entre-parêntesis não disse. Há coisas que temos de deixar para as escríticas. Não há escrita fina reconhecida pela erudição que dispense um bom flirt pop por estes dias.


IV
O Siza desenhou uma colecção para a Salsa Jeans. Ou ainda: a Salsa desenhou uma colecção e o Siza desenhou um burro. Não consegui encontrar imagens do cerimonial de lançamento, que teve honras de ser apresentado na Casa do Jardineiro em Serralves. Podia ter sido nas cavalariças, mas era demasiado literal. A ambos ficou curta a visão. Tivessem usado um qualquer outro desenho (que não o burro) e trocado o azul ganga por denim cru e tingido a preto, e estariam a vender o novo fardamento oficial dos princípios de noite do eixo Batalha-Rivoli.

V
Há os que usam a música como disfarce. Há os que usam o pop como amparo. Da minha parte, nestes recorrentes exercícios de regresso empapado à escrítica, dedico missivas aos meus mestres – ou pelo menos àqueles com quem, como tu caro MEC, não vou me vou cruzar num qualquer eixo da cultura das vaidades, ainda para mais, mal frequentado. Não leves a mal mais esta. São só umas lamúrias melancólicas e uns comentários desajeitados para ir “afiando a caneta”, como me diz a Sílvia.
Outro-dia o Sérgio Sousa Pinto conseguiu enfiar “urbi et orbi” e “pole position” na mesma frase. Isto não me parece propriamente double coding, mas são bons exercícios de aguça. É que tenho aí pendente a obrigação um interessa-me particularmente para o décimo aniversário dos meus últimos dez anos, e tenho de ver se consigo passar estas escríticas do Trasmission para o Blue Monday, a ver se me safo.


VI
Caro Miguel, contou-me há tempos o Bauman num livro, que um tal de Horace Walpole, numa destas nossas cartas, terá confidencializado ao seu interlocutor que “o mundo é uma comédia para os que pensam, e uma tragédia para os que sentem”. Tenho usado como mantra para não me arreliar tanto. Gosto de pensar que Sir Horace Mann lhe terá retorquido com um valente: “There´s no other way. There´s no other way. All you can do is watch them play.”


VII
Ai meu caro MEC, já estava com saudades destas derivas de ambiguidade que vão camuflando a minha falta de jeito para as coisas do conhecimento. Consta que nestas lides da investigação, tende-se a sofrer de um tal de “síndrome do impostor”. Se for só isso, nasci pronto. A desacreditar em mim desde 1984. Talvez por isso a investigação académica é um bom remédio em auto-exclusão, citar e referenciar, “entusiasmado por aquilo que os outros já escreveram”. Ah, espera, essa é a definição do Adorno para ensaio.
Bem, caro Miguel, da ensaística à escritica, parece que a ligação está um bocado blur. Resta-nos o pop como unguento para ir cozendo as derivas da escrita. Já tenho novamente desculpa oficial para a minha ausência. Para a semana regresso às ensaísticas académicas.
Pelo menos, que seja uma ensaística pop.





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